sexta-feira, fevereiro 24, 2006



A um olhar perturbador não se pergunta a idade!


Teresa David-foto de mim própria (pf não me achem narcisista, mas os olhos é o que tenho de melhor na cara!)

OS MEUS FANTASMAS
Espreito ás portas dos cafés
procurando cadáveres
e vejo-os
Transparentes, com feições etérias
Ninfas assexuadas e machos castrados,
sem vísceras nem alma
viscosos alguns
líquidos outros
Enormes olhos azuis, verdes, castanhos
Bocas carmim pintadas a sangue
nas nãos as folhas brancas esvoaçantes
Aproximo-me e o meu corpo trespassa-os
deixando-me perfumada de jasmim
e fica-me no corpo o frémito
de ter penetrado a eternidade

Teresa David/95 - quadro de Marc Chagall

A GRANDE RODA DA VIDA


Da burguesia nasci
FUGI


Com marginais
VIVI

No trabalho

ENFURECI

PARI
AMEI

Reneguei tudo

Voltei ao início

Recomecei a criar
e é aí que quero ficar!


Teresa David

domingo, fevereiro 19, 2006

IMAGENS


Sou uma pena branca
num tinteiro negro


Sou o embutido da mobília


o contraste


sou a bandeira do pirata

hasteada na paz


sou a pomba branca
que o corvo trincou


talvez já não seja nada
além do que restou

Teresa David/1996

quarta-feira, fevereiro 15, 2006


Os homens da minha vida, eram quase todos magros, mesmo muito magros, daí ter-me surgido a seguinte ironia:

AMOR REDONDO

O meu amante é um gordo
o meu amante rebola
quando nos encontramos
é ele quem me consola

Os olhos do meu amante
são rodas de camiões
ao olhar para eles
fico cheia de ilusões

O peito do meu amante
é um relvado sem fim
quando nele descanso
até me esqueço de mim

Palas mãos do amante
o meu corpo é percorrido
fica lânguido, satisfeito,
o Amor ganha sentido

Quando o sexo do amante
se aninha no meu canto
sinto o êxtase do momento
derrubada de quebranto

Ao meu amante lhe agrada
tudo quanto lhe dou
o meu amante é um gordo
uma gorda também sou!

Teresa David-quadro de Otto Dix

terça-feira, fevereiro 14, 2006


OS BRILHANTES

Por muito gostar de joías
comecei a fabricá-las,
por muito gostar de gente
contínuo a procurá-las.

Numa procura incessante
vou encontrando alguns,
por vezes puros brilhantes,
outras, pessoas comuns.

Teresa David/2006

O TEMPO E A IDADE

O tempo como o vulcão
espele fogo e pavor
a idade como o vento
leva a esperança do amor

quando no rosto se altera
a expressão do nosso querer
chega a altura de parar
para continuar a viver
Teresa David

CAMINHADA

Percorri muitos caminhos
em busca do horizonte.

Atravessei rios profundos,
longas planícies sem fim,
com o sol, a chuva, o frio
a darem cabo de mim

Desfalecida, cansada,
num torpor, quase desmaio
ensaiei a morte viva
desfiei o meu rosário

Depois de tanto pensar,
relembrar e padecer
uma vontade nasceu:
a de deixar de viver

sacudi-me, levantei-me
retomei a caminhada,
desbravei, recuperei,
a vontade de existir

Lá no fundo o horizonte
já me parecia mais perto

com o corpo em água feito,
com os olhos enevoados
pela poeira do chão,
alcancei o meu destino
e desfaleci de exaustão.
Teresa David/1995 quadro de Salvador Dali
RESPOSTA AO DESAFIO DO JORGE MOREIRA

AS 7 VIRTUDES QUE MAIS CONSIDERO:
1) - Lealdade, não confundir com fidelidade que isso deixo para os caninos!
2) -Solidariedade, porque sós não somos nada, junto temos o mundo na mão
(LIGEIRO PLÁGIO)
3) - Honestidade, não querer roubar nada, nem material nem sentimental
4) - Amar com toda a energia do corpo e da mente, mesmo sabendo que no fim podemos saír derrotados
5) - Tentar fugir ao superfluo e viver para o que para nos é essencial, desde que seja com beleza e partilhado
6) - Olhar em redor e ver o que há de belo, mesmo que estejamos no meio de uma esterqueira
7) - Tentarmos todos os dias sermos o melhor de nós, e limar as arrestas das nossas imperfeições
Teresa David

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

FILÉ

Quando me senti por um fio
peguei nele e teci-o.
Deslumbrada e com amor
vi surgir uma flor.
E geométricamente avancei
entre quadros tecidos
nessa ânsia invulgar
de ver a arte final
fosse bela ou infernal.
Dos animais aos objectos
do abstracto ao real
do transparente ao opaco
a crescer sem parar
até o fio enredar
De enredada em nós
esqueci tudo em redor
me transformei em aranha
em Penélope espectante
e continuei sem parar
na emoção de tecer
até ao tédio chegar
ou o sono me envolver.

Teresa David/1995 - a renda na foto é uma das muitas que fiz ao longo dos anos

A NOITE

O poema é o momento
O pestanejar das luzes ao longe
A evidência de casas povoadas
São as luzes, mas apenas isso,
a resaltar do negrume desabitado.

Teresa David/1995

sábado, fevereiro 11, 2006


Tinha um ar antipático porque mirrou-lhe o sorriso com o frio!
----------//----------

Como um cão lambo as minhas feridas, mas escondida como um gato!

----------//----------

Sinto-me por vezes tão só quando estou acompanhada, que prefiro a multidão para me isolar!

----------//-----------

Amei tão intensamente alguém mas acabei por ficar apenas com o meu amor-próprio!

Teresa David - quadro de Magritte

sexta-feira, fevereiro 10, 2006


VONTADES
Viva que vivo
querendo viver parece fácil
mas é só parecer
Neste inferno queimante
Nesta lonjura de gente distante
Vou e não vou
fico e não fico
Eterna vontade
de estar onde estou
Sinto a presença de mim
e do outro
De quem como eu
veio e não ficou
Quadro e palavras minhas/Teresa David-1986

quinta-feira, fevereiro 09, 2006



Aos 2 anos o meu filho mais novo fez este desenho, a que deu o nome de: MÃE CORAÇÃO E PAI ESQUILO, eu passei-o a tapeçaria.

O Pai esquilo morreu há 12 anos, em mim o coração partiu-se-me tantas vezes, que acabei por o deitar fora, por não ter já conserto!

Teresa David

segunda-feira, fevereiro 06, 2006



O HOMEM SEM DENTES

ou mais uma das minhas histórias líquidas

Vinha meia adormecida no comboío, quando me veio à lembrança uma personagem que reencontrei, passados trinta anos, imagem de alguém que como relâmpago, ou flash, apesar de morar bem perto de mim nunca mais revi, após o fugaz encontro que passo a contar:

Estava eu em mais uma noite líquida, no mesmo bar onde encontrara "o corneta" da outra história, quando vejo subir a escada fronteira a mim, um homem de cabelo negro asa de corvo, feições correctas, mas faces encovadas pela magreza e o mirrar fruto dos anos. O azul violeta dos olhos estava rodeado de uma auréola avermelhada denunciadora de consumo excessivo de álcool.

Quedou-se ao meu lado, sem me ligar nenhuma importância, enquanto encetava conversa com o gerente sobre qualquer assunto que não me dei ao trabalho de ouvir, pois a minha memória tinha começado a trabalhar, trazendo-me dum passado longínquo aquele rosto tão próximo de mim físicamente, mas alterado pelo tempo. E foi de repente que a imagem do passado surgiu. Rememorei um rapaz elegante de cabelo negro e olhos azuis, que esperava colegas minhas na porta do colégio. Revi os placards com a sua imagem agigantada, em anúncios de perfumes ou roupas. Lembrei-me dele ainda no Monte Carlo ou no Convés, junto às tertúlias de actores do Teatro Monumental. Olhei-o na lembrança do écran da televisão em papéis secundários de filmes, ou em primeiro plano de anúncios.

E não resisti, fixei-o intensamente até atrair o seu olhar e disse: Lembro-me muito bem de si! Habitava na minha zona, a Av. de Roma, e frequentava os mesmos sítios que eu. Só que já passaram 30 anos desde esse tempo, e como o conhecia só de vista, certamente não se lembrará de mim!

Olhou-me espantado, e foi então que verifiquei que a sua boca estava completamente desdentada, o que me provocou curiosidade, pois todo o seu aspecto cuidado, malgrado a cara aparentando um notório caso de alcoolismo, não era consonante com tal desleixo. Sim, porque nos tempos que correm, só por desleixo, falta de dinheiro, que não parecia ser o caso, ou qualquer outra aberração, alguém deliberadamente se passeia desdentado!

Começámos à conversa e uma hora depois já tínhamos encontrado afinidades e tanta gente conhecida em comum que se justificava continuar a dialogar.

Mais um copo noutro Bar, e senti-me à vontade para lhe fazer a pergunta que me estrangulava a garganta: Porque é que não tens dentes?

Por uma questão de atitude! - respondeu.

Atitude?

Sim! A minha beleza física levou-me a ser perseguido tanto por homens como mulheres grande parte da minha vida. Ao contrário do que possas pensar, não são só as mulheres belas que são vítimas de assédio. Também um homem como eu fui, passa por terríveis situações para poder afirmar o seu talento, dado ser sistematicamente tratado em primeiro lugar como um objecto decorativo, e só depois, e meramente por pessoas inteligentes, como um ser capaz de pensar. E o que eu queria mesmo era ser actor dramático, não mero figurante.

Mas o que é que isso tem a ver com o facto de estares dendentado? - insisti.

Muito! Perdi por volta dos trinta e poucos os dentes todos, e como qualquer outra pessoa mandei fazer uma prótese. Nunca a usei, pois de repente ao olhar-me ao espelho percebi que encontrara a fórmula para resolver o meu problema. Sem dentes as pessoas que se aproximavam de mim era mesmo devido ao meu "eu" mais profundo lhes interessar, dado que a falta de dentes, óbviamente, me retirava grande parte dos meus atractivos físicos. Por outro lado, nessa altura também elegi como companhia preferida a bebida, tendo passado a comer pouco e a beber muito, pelo que os dentes passaram a não ser tão necessários.

Embora habitualmente seja faladora, calei-me, ficando a flutuar entre as palavras acabadas de ouvir e a lembrança daquele rapaz lindo, que lembrava sobremaneira o Alain Delon, que todas nós não resístiamos a perseguir com o olhar, quando por nós passava, e o homem de cinquenta anos, desdentado, olheirento, escavacado, com o qual conversei e bebi copos até às nove da manhã duma madrugada tépida de Primavera.

Teresa David quadro de Seurat



Desde que me conheço, mais concretamente desde os três anos, que vivo em cafés e restaurantes. Este hábito foi adquirido através de meu pai, homem bem falante, devotado de tertúlias, que a partir dessa idade me achou já capaz de o acompanhar junto da sua roda de amigos. Claro que eu adorava, porque era mimada por todos, com chocolates, rebuçados e outras guloseimas afins.

Foi nesses sítios que aprendi a calar, e a olhar em redor. E comecei a apreciar ver os tiques das pessoas, as suas atitudes, o que consumiam, enfim, ser uma pequena observadora.

Com o correr do anos o hábito não se perdeu, e num desses inúmeros locais por onde já passei, conheci uma figura singular. O meu grupo de amigos tinha-se atribuído a alcunha de "o corneta", pois a sua entrada no café nunca passava despercebida, tal o volume da sua voz de estridência metálica. Era baixote, anafado, assemelhando-se bastante ao Vasco Santana. As suas conversas versavam preferencialmente o futebol, e quando para nosso azar dava algum jogo na televisão, acabávamos por ter de sair, sob risco da integridade do nosso tímpano ficar ferida. Contudo, nunca sentimos nenhum sentimento agressivo em relação a ele, devido à sua aparente alegria de viver que partilhava "altamente" com os outros.

Uma noite, das muitas que me apetece sair solitáriamente, e ir a algum bar beber um copo, olhar os outros, ou conversar com alguém que apareça meu conhecido, ou não, mas que sirva para trocar ideias, deparei com o corneta, muito solitáriamente encostado ao balcão. Nesse local tocava-se jazz e ele parecia absorvido de tal forma pelo som que nem me via. Embora a minha relação com ele nunca tivesse ido além dum aceno de cabeça e uma boa tarde, um pouco entre dentes, decidi encostar-me igualmente ao balcão e entabular conversa.

Curiosamente, é bastante normal sem grande esforço, e particularmente na noite, muito mais propícia ao abrir dos sentimentos, ter gente a desbobinar-me as suas mágoas. Logo, ao cabo de pouco tempo fiquei a saber que era um quarentão solteiro que vivia com uma mãe idosa e decrépita, a quem prestava assistência quase permanente, tal o estado em que a senhora se encontrava. Ouvi-o atentamente e solidária, sem proferir palavra, pois este tipo de situações deixam-nos sem grande capacidade de resposta.

No entanto o que realmente retire deste encontro foi, quando em jeito de desculpa, me disse: Sabe, as pessoas devem pensar que sou alegre quando me vêem a beber as minhas cervejolas. No entanto, aquele bocado que estou no café, é o único escape do meu dia, entre o trabalho, e tratar da minha pobre mãe.

Até hoje nunca mais tornei a ver o corneta, mas soube que pouco depois desse encontro morreu de enfarte, deixando a "pobre mãe" à mercê da tenebrosa assistência pública.

Teresa David

quarta-feira, fevereiro 01, 2006


UM MOMENTO
Raquel de olhos fechados na escuridão eléctrica, tentava furtar-se à sordidez das paredes desbotadas, nas quais as sucessivas camadas de tinta, davam matizes multicores, fluorescentes, e profundamente desagradáveis. O pequeno barril, agora vazio, recordava os últimos copos ali bebidos. Na estante improvisada de tábuas assentes em tijolos, repousava o único livro. No chão o candeeiro, luz-penumba, junto ao colchão. Beatas, muitas, espalhavam-se empestando a atmosfera. E Eurico...Eurico, belo, de cabeça helénica, grisalha, a repousar no seu ventre elevado por cinco meses de gravidez. O silêncio ansiado era abruptamente interrompido, minuto a minuto, pela jogatina vigorosa, na sala de batota clandestina contígua ao quarto, dito independente. Lúcio, o dono da casa, após alguns (poucos) meses de fervor revolucionário, passados na reforma agrária, tinha trocado o labor matinal pelas noites buliçosas, arrecadando os incertos proventos ganhos "miraculosamente" no jogo diário. Ganhava sempre, pormenor importante a considerar.
Raquel tenta movimentar o seu corpo nu, dormente, enquanto Eurico lhe pergunta se está bem. Quando acabarão estes filhos da puta com o barulho? Qualquer dia ainda apanhamos com a polícia na cabeça! Tenho sede ... Eurico levanta o corpo branco, e com os olhos claros, míopes, a piscar, abre uma garrafa de espumante com grande alarido. O líquido escorre, inundando as pernas de Raquel, que em sobressalto se senta rápidamente no colchão. Os seios embatem no ventre dilatado, e os mamilos enegrecidos arrepiam-se com o frio. Enrolada em si própria, cabeça entre as pernas, longos cabelos descendo sobre os braços, estica a mão. Eurico segura-a, e ajoelhando-se envolve-a com o seu corpo. Os copos encardidos oscilam ao lado. E bebem, bebem até só restar a espuma no fundo da arrafa.
Raquel sente a cabeça a rodar. De novo se deita, coberta agora pela ternura de Eurico que a beija vagarosamente. "Mãezinha coça-me a cabeça". As suas mãos pousam nos seis inchados de Raquel que novamente se deixa arrastar para o prazer.
Só quero tocar esta tua pele tão doce. Cheira bem! O teu ventre mex4e. Como será? E irá crescer? Deixá-lo-ão crescer? - pergunta-se Raquel. Vou espreitar. E escorregando afasta ternamente as pernas de Raquel. No meio delas fica a cabeça. Sossegada. Estando ali apenas. As mãos continuam a afagar o corpo. O jogo acabou. Finalmente o silêncio. E a tontura. E o momento. O cansaço. Jánão é preciso sexo. Calmos adormecem. Raquel como desfalecida. Eurico afogado nas suas carnes macias.
Teresa David - quadro de Otto dix - A mulher grávida


ESTRANHA FORÇA

Por vezes pergunto-me qual

a estranha força que me move.

Quando o dedo do pé dispara em dor

salto em vez de parar.

A anca paralisa e ergo a perna.

A cabeça estoira-me, descaí aos joelhos,

e chuto-a no ar,

não por ser futebolista,

apenas para a repôr no lugar!

Sentir que respiro

sem ter o peito a arfar,

já me chega de momento

para me poder alegrar.

Olhar a onda que se enrola,

uma gaivota que esvoaça,

uma criança titubeante

que a tenta agarrar,

um gato vadio nas rochas

quue não pára de miar,

são coisas suficientes

para me apaziguar.

Ao escrever estas linhas

outra dor aparece,

o artrítico polegar,

provoca tal incomódo,

que o pensamento enegrece.

Como um cão saído de água

sacudo mais esta dor,

páro de escrever

para o corpo

se recompôr.

Mais calmo, menos dorido,

o que há agora a fazer?

Ir ouvir um concerto,

dançar até amanhecer

Ver gente à minha volta

sem os querer conhecer!

Ficarei distraída

sem pensar em tais horrores,

porque como meta de vida

propus-me não ceder às dores!

Teresa David Imagem - Hercules de Piero della Francesca