quarta-feira, fevereiro 25, 2009




O ROMEU

O Romeu Correia até tinha Julieta e tudo, não como amor de perdição, mas sim, como filha.
O seu afecto conjugal ia para a Almerinda Correia, que tinha sido campeã de atletismo nos seus tempos áureos de jovem de longas pernas e cabelos revoltos.
Almerinda Correia exibindo as suas medalhas
Quando se juntaram – segundo me contou o Romeu – o dinheiro era exíguo, daí quando ele recebeu o primeiro ordenado como cobrador do BNU, cobriu o corpo desnudo da mulher com as notas do ordenado. É verdade que nesses tempos se recebia em dinheiro num envelope, também assim recebi o meu primeiro salário de bancária.
Conheci-a, já no papel de companheira apagada, do seu fogoso marido que era um exímio contador de histórias carnais.
Ironicamente, já que vivo há 30 anos em Almada, foi no Café Império, junto ao elevador de Santa Justa, já destruído, para se tornar mais uma casa de hambúrgueres, que me cruzei com ele, sentado sempre numa mesa ao fundo junto á janela, onde escrevia e falava só com as suas letras.
Nem sei bem como, um dia cumprimentou-me, talvez por já me conhecer de vista, pois era assídua do local e, acabei por diversas vezes me sentar na sua mesa, para ouvir as suas histórias dos tempos que fora lutador de boxe, estas ilustradas por fotos em pose de lutador com as luvas calçadas e tudo!
Equipado para um combate a lutar em brincadeira com a Almerinda

Eu tinha na altura 18 anos e, as reviravoltas da minha vida fizeram com que só o voltasse a ver, quando, já vivia em Almada, volvidos 10 anos.
Facilmente o reencontrei em eventos ligados á cultura e percebi o respeito que a cidade lhe tinha, tanto que tem uma rua, uma escola secundária e um fórum em Almada com o seu nome.
Gostava de tomar café comigo e o meu companheiro e contar-nos aquelas histórias escaldantes que certamente não haveria muita gente a quem poderia relatar, inventadas ou não, dentre as quais destaco a da cigana que tocava castanholas quando atingia o orgasmo!
Anos atrás, mais concretamente em 1996, encontrei-o no centro da cidade de Almada, branco como a cal. Um arrepio percorreu-me o corpo porque lhe vi a morte na cara. Faleceu dois dias depois de ataque cardíaco.
A cidade ficou menos colorida.

Teresa David-fotos retiradas da Net






sábado, fevereiro 07, 2009





URSULA

De pequenina depressa o seu corpo franzino percebeu que a vida não seria fácil.
Seus Pais, fortemente envolvidos na luta contra o regime de Salazar, enviaram-na, por portas travessas, para a União Soviética, onde ficou a estudar e fez o Curso Superior de Canto.

É um rouxinol que o seu padrinho, Álvaro Cunhal, adorava ouvir.

Eu também.

Conheci-a, após o seu regresso em Maio de 74 a Portugal, após muitos anos de União Soviética e algum tempo em Paris, num Restaurante que explorava com o seu companheiro, sito no Pragal de nome “O Forno de Cima”. Aí falava com ela sobre as agruras da maternidade e vida doméstica, porque a Úrsula, conhecida como Luísa Basto, pseudónimo que adoptou, desdobrava-se na limpeza do restaurante, da sua casa, acudir aos 5 filhos, uns dela em comum com o companheiro e um só dele, outro só dela e do José Jorge Letria, aos cozinhados, que praticamente fazia só.

Por volta da meia-noite desaparecia, tirava o avental de cozinha, pintava-se, penteava os fartos cabelos e, reaparecia, geralmente vestida de negro, como borboleta saída dum casulo.
Mal a sua voz se lançava no ar um arrepio na espinha me percorria, bem como a todos que a escutavam. Nunca na vida até hoje, ouvi, uma voz tão límpida e potente como a dela.

Contudo, parece que nunca levou muito a sério o seu talento, porque, salvo os convites muito esporádicos para programas alusivos ao 25 de Abril, ferrete que se lhe colou á pele pelo facto de ter dado voz ao Hino do “Avante”, onde a sua sonoridade é bem notória, alguns CD gravados sem grande divulgação e o LaFéria se ter lembrado dela para fazer de Amália no Musical depois da saída da Alexandra, resume-se á sua vida doméstica.

Tentei amiúde, infrutiferamente, ver mais além da concha onde se fechava, numa cara de tragédia não contada.

Uma das últimas vezes que a vi e trocámos um mero aceno, foi no dia do velório do Álvaro Cunhal, onde estava numa fila gigantesca, incógnita como sempre, apesar de ser quase como uma filha para o falecido, que vinha ao barbeiro ao Pragal e lhe pedia para lhe comprar a roupa, porque além de não ligar nenhuma ao que vestia, não tinha o mínimo jeito para o fazer.

Tenho o seu número de telefone e ela várias vezes me disse para aparecer, no entanto, a sua forma de ser tão fechada fez com que nunca tenha telefonado, malgrado a admiração que por ela tenho.

Por vezes tento saber por onde anda a cantar, mas ninguém sabe, pelo que apenas a apanhei, por mero acaso, há dois anos, após uma ida ao teatro, onde o Mestre Relojoeiro, sobre o qual escrevi algum tempo atrás me disse, que ela estaria a cantar fado numa cooperativa na Cova da Piedade, gratuitamente, naquela noite, na sua militância constante.

Se quiserem ler uma biografia que acho bem feita acerca da sua pessoa, onde, por coincidência tem uma foto exactamente da altur em que a conheci, podem ler aqui:


Teresa David



terça-feira, fevereiro 03, 2009

Já que ontem, dia do meu aniversário, não pude brindar com aqueles que me visitam aqui, fica o meu brinde virtual, com desejos de saúde e felicidade para todos e, já agora, para mim também.
Um Abraço
Teresa David