O POETA AÇORIANO
Em 1970 fazia-se óptimo teatro na Casa da Comédia, o que me levava a deslocar-me amiúde até lá, a fim de não perder pitada da sua programação criteriosa e corajosa para a época em que estávamos.
Aí vi teatro para adultos pela primeira vez. Nunca esquecerei uma peça que se tornou, na altura, algo ininteligível para mim. Tratava-se do FIM de António Patrício, representada e encenada pelos Bonecreiros. Fui sozinha e ainda por cima fiquei sentada dentro do palco envolvida por uma acção que não entendia. A segunda já consegui entender na íntegra, apesar de elaborada tinha tudo a ver com o meu sentir, tratou-se de Mulher Precisa-se de Almada Negreiros, encenada pela Fernanda Lapa, espectáculo que me emocionou e encheu as medidas.
Mas dizia eu que, em 1970, subiu á cena naquele Teatro uma peça que se me tornou inesquecível, A Dança da Morte em 10 assaltos de August Strindberg, não só pelo argumento, pelas fantásticas interpretações da Cármen Dolores e Augusto Figueiredo, já há muito falecido, mas também pela conversa que assisti após o final do espectáculo com o saudoso Vitorino Nemésio de quem já lera o Mau Tempo no Canal que muito apreciara.
Fora com uma amiga a quem chamava tia, apesar de não termos vínculos familiares, mas que não tendo sido mãe, construiu comigo uma amizade e cumplicidade que me ficou para o resto da vida na memória. Há muito faleceu, pois tinha mais 40 anos do que eu. Contudo, foi uma das amigas que mais me marcou pela sintonia dos nossos interesses, a facilidade com que com ela dialogava e também algumas reprimendas que me foram muito úteis.
Ora, a Tia Isaura tinha estado a viver dois anos nos Açores, uma vez que, o seu marido Coronel, aí fora colocado, alguns anos atrás, na Base dos Açores.
Logo, quando fomos apresentadas ao Nemésio, alguém que só conhecia da TV desses programas fantásticos, mas que, a minha tenra idade quando os vi, os tornavam quase incompreensíveis e, ela referiu o facto, ele de imediato esticou o dedo e na sua forma particular de se exprimir com tanta expressividade lhe perguntou:
AH! Então de certeza que conheceu a minha prima Micas!
A Tia Isaura engasgou-se, mas como mulher educadíssima que era reprimiu o riso daquela espontaneidade e apenas respondeu:
Sim, talvez tenha conhecido, mas só pelo nome é-me difícil de dizer!
Ele tergiversou de imediato para a analise da peça, contou-nos inúmeras historias açorianas, enquanto eu, me limitava a estar calada que nem um rato a sugar aquelas mãos que também falavam, os lábios carnudos que se movimentavam esticando-se ou comprimindo-se amiúde, o corpo tapado com um fato mal amanhado e a melena negra que lhe esvoaça na cabeça a cada gesto.
Teresa David-Imagem recolhida da Net
Em 1970 fazia-se óptimo teatro na Casa da Comédia, o que me levava a deslocar-me amiúde até lá, a fim de não perder pitada da sua programação criteriosa e corajosa para a época em que estávamos.
Aí vi teatro para adultos pela primeira vez. Nunca esquecerei uma peça que se tornou, na altura, algo ininteligível para mim. Tratava-se do FIM de António Patrício, representada e encenada pelos Bonecreiros. Fui sozinha e ainda por cima fiquei sentada dentro do palco envolvida por uma acção que não entendia. A segunda já consegui entender na íntegra, apesar de elaborada tinha tudo a ver com o meu sentir, tratou-se de Mulher Precisa-se de Almada Negreiros, encenada pela Fernanda Lapa, espectáculo que me emocionou e encheu as medidas.
Mas dizia eu que, em 1970, subiu á cena naquele Teatro uma peça que se me tornou inesquecível, A Dança da Morte em 10 assaltos de August Strindberg, não só pelo argumento, pelas fantásticas interpretações da Cármen Dolores e Augusto Figueiredo, já há muito falecido, mas também pela conversa que assisti após o final do espectáculo com o saudoso Vitorino Nemésio de quem já lera o Mau Tempo no Canal que muito apreciara.
Fora com uma amiga a quem chamava tia, apesar de não termos vínculos familiares, mas que não tendo sido mãe, construiu comigo uma amizade e cumplicidade que me ficou para o resto da vida na memória. Há muito faleceu, pois tinha mais 40 anos do que eu. Contudo, foi uma das amigas que mais me marcou pela sintonia dos nossos interesses, a facilidade com que com ela dialogava e também algumas reprimendas que me foram muito úteis.
Ora, a Tia Isaura tinha estado a viver dois anos nos Açores, uma vez que, o seu marido Coronel, aí fora colocado, alguns anos atrás, na Base dos Açores.
Logo, quando fomos apresentadas ao Nemésio, alguém que só conhecia da TV desses programas fantásticos, mas que, a minha tenra idade quando os vi, os tornavam quase incompreensíveis e, ela referiu o facto, ele de imediato esticou o dedo e na sua forma particular de se exprimir com tanta expressividade lhe perguntou:
AH! Então de certeza que conheceu a minha prima Micas!
A Tia Isaura engasgou-se, mas como mulher educadíssima que era reprimiu o riso daquela espontaneidade e apenas respondeu:
Sim, talvez tenha conhecido, mas só pelo nome é-me difícil de dizer!
Ele tergiversou de imediato para a analise da peça, contou-nos inúmeras historias açorianas, enquanto eu, me limitava a estar calada que nem um rato a sugar aquelas mãos que também falavam, os lábios carnudos que se movimentavam esticando-se ou comprimindo-se amiúde, o corpo tapado com um fato mal amanhado e a melena negra que lhe esvoaça na cabeça a cada gesto.
Teresa David-Imagem recolhida da Net
13 comentários:
Mais um texto que nos prende do princípio ao fim.
Já precisava de aqui vir.
Até breve.
Beijos
Já tinha saudades das tuas histórias com pessoas...
abraço Teresa
Nota: amanhã à tarde (15.00 horas) estava a pensar assistir à sessão de "propaganda camarária" sobre o futuro de Cacilhas, mas não sei...
Homem inestimável que enredava as histórias e nos enredava nelas.
A tua fabulosa memória... olha que essa também dava um belo documentário daqueles anos!!!
ele era tudo o que descreves, mais um excelente professor.
Bom fds
Olá Teresa
É verdade, o Vitorino envolvia-nos em cada conversa! Olha eu perdia-me sempre, mas o mais engraçado é que ele tinha esse grande poder de nos prender a o ouvir.
A tua memória está bem e recomenda-se, descreves tudo muit bem, e com pequenos pormenores.
Adorei!
Que tenhas um lindo fim-de-semana
Beijinhos
Aqui recorda-se o que se julgava extinto.
UM GRANDE HOMEM E ESCRITOR, UM VIVENCIALISTA EXTRAORDINÁRIO, UM RACCONTEUR SUBLIME... TAMBÉM OUVIA AS SUAS CONVERSAS, EVIDENTEMENTE QUE NAO PERCEBIA TUDO TUDO, MAS NUNCA O PERDIA NOS DOMINGOS À NOITE, APESAR DE NESSES TEMPOS DO LICEU ME LEVANTAR ÀS 7 NO DIA SEGUINTE...
MAIS UMA FIGURA DE PESO A ENGROSSAR A LISTA DAQUELAS COM QUE, AO LONGO DA VIDA TIVESTE A SORTE DE CONVIVER MAIS OU MENOS PROFUNDAMNETE...
BOM DOMINGO
BJOKAS
________________querida Teresa
_______penso que agora ____tudo vai voltar ao normal. porque a minha guerra com a Sapo________acabou:))
____belíssima história. era bem menina.piquitinha_______adorava ouvir este poeta/professor magnífico
__________Vitorino Nemésio____tinha o dom de me encantar________verdadeiramente_________e continuará_________pois aduiriu a_______IMORTALIDADE________com a sua OBRA.
___excelente trabalho___minha querida
beijO c/ carinhO
bDomingo
Sim senhor, mais um interessantissimo texto,obrigado pelo comentario, beijos =)
gostei particularmente da descrição de algumas caracterísitcas físicas k fazes. Correspondem, muito claramente, a traços e gestos marcantes de V. N.
Boa semana
Bjs
Luz e paz
Foi meu professor na Faculdade de Letras. As aulas eram uma conversa parecida com as que ele tinha na televisão. Muito interessante mas por vezes era complicado para nós, alunos, seguir o fio à meada e saber qual a matéria a estudar. Os exames orais também eram no estilo.
1º Mudaste o template...2º Mais um belo post!! Beijos.
poeta maior e comunicador de excelência.Bela evocação.
Fraterno abraço
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