O Alcoolismo levou-me dois membros da família e muitos amigos.
Vi o meu avô finar-se de cancro de cólon, ao cabo de muitos e muitos anos de copitos de vinho bebidos na simpática tasca da rua em que morava, no Lumiar, onde o via, sentado, solitário, de perna traçada e olhar fixo para a rua, já com aquela expressão onde se nota a morte a avançar a passos largos.
Um tio, do lado paterno, gente de origens nobres, por excesso de ureia, ocasionado pela ingestão de chiquérrimos cognacs, de preferência Napoleon, engolidos numa mesa bem revestida a toalha de puro linho, em cálice de cristal, na Pastelaria Ferrari na Rua Nova do Almada. Em casa esperava que todos se deitassem, para, furtivamente, ir até á garrafeira sempre bem atestada de garrafas de grande qualidade e volume etilico.
Isto passou-se na minha adolescência, o que me marcou deveras, mas, mal sabia eu, que a partir dos 30 e tal anos e até hoje, iria, quase ano após ano, a enterros de grandes amigos excessivos em matéria líquida.
Serve este preâmbulo para introduzir o que me proponho narrar, de uma mulher desconhecida, cuja vida me foi contada, por várias pessoas, em versões diferentes, como sempre são as histórias quando nos chegam aos ouvidos.
Tinha morrido no ano anterior, após uma lenta descida aos infernos com a bebida por única companhia.
Quando em meados de Novembro último estive no Guincho, onde além de privar com amigos, me diverti a fotografar árvores nas suas formas sinuosas, que o capricho do vento lhes deu, acabei, também por captar imagens do exterior da residencial da falecida, e, até, furtivamente, levantar uma persiana para colher uma imagem do interior.
A Orquidea, mulher cinquentona, de aparência ainda bela, padecia de tal carência de afecto, que invadia as caravanas onde sabia viverem homens solitários como ela, que a encontravam desnuda na cama deles, usando o sexo como única forma de contacto humano.Alguns, os do costume, para os quais, ainda hoje, as mulheres não são mais do que um utensílio para o seu próprio prazer, usavam-na e no dia seguinte de manhã, único momento sóbrio do dia para a Orquídea, ela retirava-se para a sua habitação, que apesar do seu estado, não evidenciava falta de auto-estima, tão bem decorada e limpa se encontrava.
Outros, mais humanos, delicadamente pediam-lhe que se vestisse e levavam-na a casa, não sei antes, contudo, terem partilhado muitos copos com ela.
Numa dessas noites de copos sem fim, desta feita com um Inglês, que iria voltar para sua casa no dia seguinte, implorou-lhe que ele a levasse para Inglaterra para recomeçar uma nova vida.
Perante uma feroz negativa, aos tombos, percorreu os escassos metros que a separavam de sua casa, vestiu a sua melhor camisa de noite, o roupão de veludo, despejou dois frascos de perfume sobre o seu corpo ainda apetecível, pegou nas garrafas do álcool mais forte que possuía, nas quais misturou o número suficiente de comprimidos para adormecer para sempre.
Passados dois dias, ao estranharem a sua ausência, alguém foi até á residencial á sua procura, Ao aproximar-se um forte cheiro a perfume lhe inundou as narinas.
Sobre o sofá, deitada, como se estivesse a dormir uma sesta, encontrou a Orquídea impecavelmente arranjada, morta.
A filha que há muito não a visitava foi recolher os objectos que queria herdar.
Quanto á residencial continua fechada, votada a uma morte igualmente lenta, pelo abandono e desinteresse dos herdeiros.
Teresa David-fotos minhas
26 comentários:
Fogo grande historia an...nunca tinha ouvido falar por acaso...mas de facto o alcoolismo infelizmente é algo que cada vez causa mais mortes!!
Pouco sei do meu pai k faleceu kd eu nasci, apenas sei que se chamava manuel, k morreu com cancro e axo k ele tmb gistava de beber uns copitos ms nao sei...nc tive coragm d pgt a alguem nada sobre ele...o que sei foi o que me disseram de livre vontade...mas pronto!!!
Beijos
Narrativa real, exemplo de tantos casos que desconhecemos mas quantas vezes se passam a nosso lado.
Um vício tão ou mais doloroso que outros mais falados que acabam por destruir o individuo e por vezes as famílias.
Como sempre muito bem escrito.
Tudo de bom para ti em 2008.
Beijos
Ai Teresa, fiquei sem palavras.
A 'Orquídea' tinha uma filha que não conhecia; dizia amiúde: "posso cruzar-me com ela e não sei quem é". Não deve saber que a mãe morreu ou talvez nem saiba que tinha nãe viva. Por isso a casa não é reclamada.
Uma história de vida dramática, que contaste com mestria e sentimento.
Nem tenho palavras para exprimir o que me vai na alma depois de ler esta historia tão triste.
Bom ano
Uma história triste, igual a tantas outras, de abandono, por esse mundo fora, onde o álcool surge como uma falsa âncora...
abraço Teresa
Olá Teresa, li e reli o teu texto, belíssimo na escrita e triste no tema.
Minha querida bem-hajas, pela tua coragem desta tua narrativa.
Muitos Beijinhos,
Fernandinha
Mulher de coragem a Orquidea, quantas das pessoas com quem nos cruzamos na rua, só não fizeram o mesmo por falta de coragem.. Rostos fechados, morre-se aos poucos, vergonhosamente, em silencio... Sem que ao nosso lado , a maior parte das pessoas se apercebam do sofrimento que vai dentro de nós..Parabéns pelo tema , pela coragem também..Um beijinho..
Tão importante transmitires estes exemplos e estas sensações. Que me lembre houve um caso grave de alcoolismo na minha família mais próxima: foi o meu avô paterno que - nos idos do Alentejo - seguia a máxima de se embriagar ao domingo como todos os homens na altura. O dinheirinho que ganhava era gasto na taberna e só ai inteligência da minha avó permitia sustentar os 7 filhos. Depois, já bem velhinho, um médico meteu-lhe tanto medo com a bebida que deixou de beber de um momento para o outro. Viria a falecer alguns anos depois mas parece que não por culpa directa do álcool.
Muitos beijinhos!!!!
Um drama que muita gente passa... era tão bom que isto não existisse! Tudo seria melhor e mais fácil...
Olá Teresa
É chocante a história que nos contas!
Muito bem escrito.
Beijinho
Esta história dava um romence. Mas ao contrário do que dizes eu acho que não foi o alcolismo que a matou.
O que a matou foi a solidão e olha que não é preciso viver-se sózinho para carregar solidão.
A solidão da alma pode acontecer numa casa cheia de gente. Nunca poderemos (eu pelo menos) saber o que sente e o que sofre uma alma em constante fuga do estar ou do ser só, mas deve ser uma dor de alma infernal. O alcolismo é isso é um meio de fuga só que essa fuga leva a pessoa por caminhos terriveis sem regresso como a história que nos contas.
Um abraço
k histórias e k sentimentos de perda e dor se escondem em cada pessoa. cada um lida com eles como sabe e...pode. Mas estas vidas assim desperdiçadas em dor ferem-me como se uma parte de mim tivesse uma responsabilidade k não consigo alcançar.
Bjs
Luz e paz
Olá Teresa!
Históra impressionante a que hoje se conta aqui. O álcool desfaz a vida das pessoas.
E dizis o outro que beber era dar trabalho a um milhão de portugueses...
Um abraço.
Escritores da Liberdade é o prémio que tenho para ti no "BEJA .
Passa por lá e leva-o para o teu blog que bem o merece.
Beijos
Bela e vivida narrativa a partir dos excertos ou versões que lhe chegaram.
sente-se o pulsar da vida.
Grato.
fraterno abraço e bom 2008
pois amiga, acha graça ao k quiseres mas um não existe. É mais virtual do k a net.~
os "outros" são bem reais e tu tens um bem forte a teu lado.
Bjs
Luz e paz
TERESITA
UMA HISTÓRIA SE SE PODE DIZER, EXEMPLAR, PELO TEMA QUE ABORDA E PELO MODO INTIMISTA COMO O FAZES, COMO SE TIVESSES CONHECIDO A POBRE ORQUÍDEA DE PERTO!
FICARIA ELA CONTENTE SE PUDESSE SABER QUE GRAÇAS A TI, ALGUMAS PESSOAS FICARAM A SABER DA SUA DESDITA... QUE TU MAIS FIZESTE POR ELA EM A RECORDAR DO QUE MUITO PROVAVELMENTE SUA PRÓPRIA FILHA...
PARABÉNS PELA CORAGEM DE NOS TRAZERS, ENTRE OUTRAS MAIS FALADAS, AS VIDAS DE ALGUNS INFELIZES, QUE DE OUTRO MODO FICARIAM SEM NINGUÉM QUE SE COMOVESSE COM AS SUAS HISTÓRIAS!
BEIJINHOS GRANDES, AMIGA.
Parabéns pelo prémio Escritores da Liberdade
Fica um beijo com aroma de liberdade!
Pi
Uma história de muitas histórias contadas vezes demais...
Ergui-me ao vento na tua procura
Fundi um abraço com o sol da tua ternura
Modelei o amor com as palavras mais belas
Curso de errante espírito na tua procura
Porque o pensamento é voo de milhafre
Aprisionado em gaiola de palavras
O infinito e o incomensurável
Volto ao encontro das tuas profundas mágoas
Bom fim de semana
Mágico beijo
sobre a pergunta k fizeste onde é k eu tinha metido o "Pesadelo esqueci - é o último post em
http://balaodensaio.blogspot.com/
e o título é qq coisa como "sonhar de olhos abertos...."
Bjoca e bom f.s
Bebida... alcoolismo...palavras loucas que soam em minha mente!!! e só quem viu e passou o sabe..
Quando lá passas
Minha lua desabroxa
Continua,sê firme!...
Tal uma rocha.
Beijinho prateado com carinho
Feliz fim de semana!
SOL
Teresa,
As fotos são lindas e fiquei encantada com jeito de escrever passando sentimentos.
O alcoolismo é uma doença. Infelizmente muitos não a vêem como tal e por isso tratam os alcóolatras como mau caráters, o que não são, óbviamente. O alcóolatra além de destruir a própria vida, traz grande sofrimento aos familiares.
Um beijo.
Que história, Teresa! Quem a matou? O álcool ou a solidão? Ou a filha ausente? Ou os homens de ocasião? Sublime o cheiro do perfume a acolher a morte.
Que história, Teresa!
Obrigada.
Que triste história! Assim como a Orquidea, deve haver muitas outras solitárias, carentes de afeto e atenção.
Também tenho casos de alcoolismo na família... é mesmo muito triste..
Beijinhos
postei novo texto no blog...mas na verdade, passei por aki, para dizer que tenho saudades tuas (de falar contigo lol) =$
Beijoss
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