domingo, maio 13, 2007


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Sem dúvida que o Manel foi um dos homens com quem mais prazer tive de privar. A sua voz calma, o porte de pessoa bem-educada, embora danado para a pancadaria quando novo, como soube através de histórias contadas na primeira pessoa, contador de histórias ele era, quer fossem relatos de vida ou anedotas que contava com particular bom gosto.
Como o meu local previlegiado de convívio foi, é e creio que sempre será, á volta de uma mesa, ele tornou-se uma companhia dilecta.
Nos últimos anos de vida veio viver para a Margem Sul, mais concretamente para a Arrentela perto do Seixal, mas como homem habituado ao convívio com os amigos, fosse a beber o seu vinho tinto acompanhado de bom queijo, marisco na Solmar em alturas mais abonadas, adorava percebes acompanhados com espumante, hábito que me passou e que conservo até hoje, as tardes na Trindade com o Adriano Correia de Oliveira, que precocemente nos abandonou, a par do seu grande amigo, o Carlos de Oliveira, escritor um pouco esquecido infelizmente, autor do memorável Finisterra. Restaram-lhe o BB (Batista Bastos), alguns outros, e o Virgílio Martinho, meu marido, pai do meu filho, que já tenho mencionado em anteriores histórias. Dado viver comigo em Almada, acabou por ser o seu motivo para se escapulir de casa onde se sentia isolado e aprisionado. A mulher, de nome Hermínia, boa mulher, exímia cozinheira, que conheci quando ainda trabalhava num pequeno restaurante do Bairro Alto, onde ele a ia catrapiscar e comer os seus petiscos, quando dava pela sua falta, falava de imediato para minha casa por ser o sítio mais fácil de o localizar.
Dum almoço em minha casa, que começou á uma da tarde, onde éramos um grupo de amigos, restou-me a dedicatória que me fez no seu livro de poesia completa que aqui partilho convosco. Nesse dia todos foram debandando e restámos nós os dois, uma taça de cerejas, uma tábua de queijos e uma garrafa de vinho alentejano, que deram para acompanhar muitas histórias contadas e ouvidas até á uma da manhã!
Embora não seja pessoa que goste de parar no tempo e viver do passado, sinto, por vezes, nostalgia desses convívios que ainda duraram bastantes anos.
Costuma-se dizer que homem pequenino ou malandro ou dançarino. No caso dele que era homem atarracado, mas com uma visível força física, poder-se-iam aplicar as duas palavras. A primeira por ter sido um grande apreciador de mulheres, embora as tratasse, pelo menos comigo assim foi, com enorme respeito. Dançarino, porque rondava já os oitenta anos e numa ida ao Ritz Clube, em sequência a jantar bem regado, dançámos até eu, com pouco mais de trinta anos ficar exausta, enquanto ele permanecia fresco que nem uma alface!
Descobri na net a última entrevista que deu antes de morrer, na RTP2 ao Carlos Cruz. Uma verdadeira pérola de ver e particularmente ouvir. No topo encontrarão o respectivo link.
O seu falar português era muito único tanto na forma como no conteúdo. Em tempos de arrepio, quando na rua andamos e ouvimos aberrações linguísticas, permanecer-me-á sempre na memória uma frase que me disse, ao encontrar-me num acontecimento cultural em Almada, quando apareci toda vestida de negro e com uma boina galega branca colocada estrategicamente de lado:
A menina tem sempre um jeitinho especial de chamar a atenção da gente!
Não é mesmo bom de ouvir?
Teresa David

21 comentários:

Era uma vez um Girassol disse...

Teresa, imagino como deve ser doce recordar os momentos de tertúlias passadas com gente tão rica culturalmente.
Bonito!
Beijinho

Marta Vinhais disse...

Interessante o teu texto, Teresa.
Infelizmente não consegui ver o video, acho que me tiraram isso quando me formataram o PC.
Bom domingo.
Beijos e abraços
Marta

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Continua a partilhar as tuas lembranças pois recordar é viver...

Beijos

Luis Eme disse...

É curioso, Teresa, ainda ontem estive a reler um artigo escrito pelo BB, "Retratos com Palavras", em que ele falava do Manuel da Fonseca, evocando o Café Expresso, no Largo Trindade Coelho, e alguns amigos, inclusive o Virgilio.
E fiquei a pensar, será que a Teresa já escreveu algo sobre o grande contador de histórias do Alentejo?...

Tive hoje a resposta...

Tive a oportunidade de o entrevistar no Seixal, em 1991. Adorei falar com ele... e também tenho uma dedicatória bonita, desse dia...

António Melenas disse...

È sempre bom recordar quando se têm boas recordações e recordar este homem bom e este grande escritor e poeta, na primeira pessoa é uma honra para quem o faz. parabens pela memória e pela Pscrita
Um beijinho
___
PS: também tenhpo novidades poéticas

ASPÁSIA disse...

OLÁ TERESINHA

MAIS UM ELO DOURADO NA JÁ NÃO MUITO CURTA CORRENTE DE PERSONAGENS MAIS OU MENOS AFAMADOS DA VIDA CULTURAL OU "TÍPICA" PORTUGUESA... NESTE CASO CREIO QUE MANUEL F. ABRANGE AS DUAS CATEGORIAS.
INFELIZMENTE É UM ESCRITOR QUE CONHEÇO MUITO MAL, MAS ACREDITO QUE SEJA MUITO BOM... NOS MEUS ARQUIVOS AUDIO DA A2, PELO MENOS TENHO UMA BIOGRAFIA DELE, LEMBRO-ME Q NA ALTURA ACHEI MTO INTERESSANTES UNS EXCERTOS DA SUA OBRA.

QUE BOM PARTILHARES CONNOSCO TANTAS E TÃO CATIVANTES MEMÓRIAS!

BEIJINHO GRANDE :)*

bettips disse...

...Sabes, ouvia falar muito dele, dessa alma ingénua e ímpar! No tempo em que vivia na Arrentela, viviam tb amigos meus que visitava. Giro, não é? Quase nos cruzamos, nós. A recordação é deliciosa, a saudade das longas conversas com amigos, um copo, um queijo...claro, como não tê-las? Continua a espreitar as tuas memórias e a dar-nos, com essa tua delicadeza, os traços de carácter menos conhecidos dessa Grande Gente. Beijinhos a ti.

Alexandre disse...

Penso que logo a seguir ao 25 de Abril o meu pai mandou vir um livro do Manuel da Fonseca do Círculo de Leitores. Eu devorei-o e reli não sei quantas vezes... ainda hoje o tenho!!!

Obrigado por trazeres um nome e uma pessoa que infelizmente os mais novos não conhecem...

Beijinhos!!!

Fragmentos Betty Martins disse...

Minha querida Teresa

É de facto um prazer ler todos os "recantos" da sua escrita__________sente-se os aromas as cores_________e a textura das palavras

"Não é mesmo bom de"______de se sentir? :))

Beijinhos com muito carinho
Bom resto de semana

jorge esteves disse...

Uma bela homenagem a um Homem de elevado espírito.
Abraço!

Maria P. disse...

Muita saudade de nosso Amigo.

Beijinhos.

DE-PROPOSITO disse...

Olá.
Uma página do 'teu livro' de recordações.
A parte final pode se considerar um galanteio. De qualquer forma, é preciso cuidado com as palavras que se dirigem 'às senhoras'. Por vezes podem ser mal interpretadas.
Fica bem.
Felicidades.
Manuel

Paúl dos Patudos disse...

Que maneira feliz de lembrar pessoas que nos enriqueceram a todos culturalmente.Lembro o seu CERROMAIOR quase se dum filme se trata-se mas com imagens tão reais.
Parabén minha amiga, pela lembrança boa.

sonhadora disse...

Na magia da noite deixo-te beijinhos embrulhados em abraços

Menina Marota disse...

Gosto de ler-te, nesta hora mágica, em que todos já dormem e eu fico-me aqui a descobrir a riqueza que são as tuas memórias maravilhosas.

Grata por as partilhares aqui.

Um abraço carinhoso ;)

D. Maria e o Coelhinho disse...

Olha não queres ir espreitar a carta que escrevi ao malandreco do meu Coelhinho ?



D. Maria

Amla disse...

menina, sei k não aprecias, mas est+as desafiada. Pass a lá na minha casota.
bjs
Luz e paz em teu caminhar

Sandokan disse...

Não vivo de pesadelos. Tenho sonhos como qualquer ser humano que procura a luz que nos guia. A vida envia-nos muitos sinais, basta estar atento e procurá-los à nossa volta.São muitos e enviados das mais diversas maneiras. Por isso sou um GUERREIRO LOBO, que mantendo a calma, sabe esperar e nunca ter medo.

Abri há pouco a janela
do meu quarto minguado,
entrou o vento
soprando forte
trazendo uma trova
e uma canção
com um refrão tão triste
que diz
que nunca mais te encontrarei.

Parti como um louco,
gemendo e chorando
e à tua porta bati.
Apareceste-me
bela e singela
com a tua leve candura
na face tinhas a lágrima da
desventura.

Soltei um grito de pânico,
que atravessou o oceano
e num rochedo fez eco
levado pelos anjos
que partiram para sempre.

Grito agudo e
lancinante
que transporto sempre no peito
deixando amargas liras
e a saudade de te ver.
Perdi-te meu AMOR.

Meus amigos e amigas: Aceitai o medo como que ele faça parte integrante das nossas vidas. Aceitai-o, mas não tenhais receio de AMAR. Aceitai especialmente o medo da mudança, mas saibamos caminhar sempre em frente apesar do bater do nosso coração nos lançar um grito lancinante como que a dizer: VOLTA PARA TRÁS!
As trevas da noite caem, mas a manhã volta de novo ainda mais brilhante.
Manteremos viva a nossa ESPERANÇA.

Com especial carinho para ti, dedico este meu poema.

Sou um GUERREIRO LOBO que habita as paragens das caçadas eternas do bosque da felicidade, o "nosso" :

http://lusoprosecontras.blogspot.com

Vinde até ele ouvir a minha história. É uma história de um Povo, e o Povo é simples como eu.

Deixo-te aqui, neste teu cantinho maravilhoso, um grande abraço de Amizade.

SANDOKAN

Martim Garcês disse...

Infelizmente só posso dizer duas coisas:

A primeira é que não posso deixar de sentir uma pontinha de inveja pelos momentos de qualidade que concerteza viveste rodeada de tão recheadas vidas. Tenho a certeza de que este tipo de pessoas, que tocam quem não os conhece, têm sem dúvida, que tocar e enriquecer as vidas dos que com eles convivem. Os ilustres que conheço, e sem estar aqui a menosprezá-los, são os idosos da minha aldeia que, com a simplicidade das poucas palavras que conhecem nos trazem grandes ensinamentos. Muitas vezes, a simplicidade dos seus olhares curtidos do sol e da dureza da vida é o suficiente para nos dizerem aquelas coisas que sempre ali estiveram e que, por serem tão elementares, sempre nos passaram ao lado. No entanto, depois de as termos presentes nas nossas vidas, sentimos de facto que elas são já mais ricas.

A segunda é que infelizmente não conheço a obra do Manuel da Fonseca como conheço a grande Natália Correia. Sei quem foi, apesar de desconhecer a sua obra.

Fico feliz por saber que há mais pessoas que fazem questão de recordar os que nos são queridos, aqueles que de facto, fizeram a diferença.

RaSp

Conceição Paulino disse...

figura k me é mtº querida, pelo seu jeito peculiar de falar e contar - como tão bem descreves - pela sua escrita e pelo seu amor ao meu/dele/NOSSO Alentejo e pela consciência atenta às injustiças sociais k lá cresciam - mais e em maior quantidade k os longos hectares de trigais e olivais a perder de vista - no tempo de agora famoso e tão votado Salazar, depois do 25 de Abri por outras razões k se estenderam po décadas...Ou estendem ainda...Terra amada pelo SOL e pela Luz e desamada pelos governos e outros portugueses k falam do k não conhecem com ironia e...desprezo.
Já me falaras das vossa longas conversas e cumplicidades. aqui reli, parcelas destas outras. As nossas.
Bj e bom f.s

Cusco disse...

Olá!
Belos momentos, descritos e vividos..
Curioso que já li muito de Manuel da Fonseca e que há muito, muito pouco tempo comprei mais dois livrinhos seus no Circulo de Leitores: As crónicas Algarvias e o Tempo de Solidão.

Um abraço!