segunda-feira, março 05, 2007








O TRIBUNO DE ROMA
Esta será, talvez, a história de alguém que conheci, mais pitoresca de todas.
Aqui, o cenário muda, e ao invés da Baixa, rumemos ás Avenidas Novas, mais exactamente, á Av. Fontes Pereira de Melo, outro local onde se juntavam pessoas para são convívio, comida e bebida.
Hoje em dia, e ironicamente, acabei por trabalhar dez anos, a década de 90, todas as minhas referências dos sítios que me encantaram, pelas pessoas, e por eles próprios, desapareceram.
Cito o Café Monumental e o Convés, onde os actores, e noctívagos espectadores de Teatro, iam cear todos juntos, e onde permaneciam até alta noite.
Hoje, o primeiro, foi engolido pelo Centro Comercial Monumental, e o segundo transformado em mais um desses restaurantes que proliferam pela cidade, incaracterísticos, que sempre me parecem casas de banho, devido aos azulejos que guarnecem as paredes de tais "comedouros" de pizzas e hamburgers.
Mas o local desta narrativa não é nenhum dos que acabei de citar, mas sim o Monte Carlo, agora Zara, com bilhares ao fundo, zona de restaurante, zona de café, e até quiosque á entrada, para comprarmos os jornais, ou revistas, que iríamos ler enquanto bebêssemos a bica.
Por lá paravam cineastas, o Mário Castrim, cliente diário, alguns escritores, poetas, gente assídua, mas anónima, e o Sr. Machado, Tribuno das Legiões Romanas.
Neste passo, certamente todos que lerem esta história ficarão curiosos, logo, passo a explicar, para não deixar ninguém ansioso!
Eu estava habitualmente no grupo dos escritores e poetas, pois cedo comecei com eles a conviver, mas um dia, alguém me disse: Vou apresentar-te ao Sr. Machado.
E assim foi.
Mal o oconheci fiquei fascinada pela sua figura de homem alto, muito magro, com uma expressividade enorme no rosto já sulcado por algumas rugas, fruto dos seus sessenta anos, ar de pessoa socialmente bem nascida, e um adesivo grande na orelha esquerda.
Sempre fui desbocada, defeito que me trouxe muitos amargos de boca ao longo da vida, e que ainda hoje tenho dificuldade em controlar, pois as palavras fogem-me mesmo que o não queira, logo, mal mo apresentaram, desferi:
Teve um acidente?
E aqui começa verdadeiramente a história, pois esta frase despoletou o que me queriam mostrar dele.
Respondeu com um ar indignado: Não sabe?
Perplexa, e um pouco intimidada, limitei-me a abanar negativamente a cabeça.
Não lhe disseram quem eu sou? Não sabe que venho aqui todos os dias recolher gente para as minhas Legiões? Como Tribuno tenho direito a ter a minha Legião, preciso de equipar as minhas tropas! - e virando-se bem para mim, de cabeça ao lado, a olhar-me nos olhos, continuou - A Menina tem um pilo ou um gládio? Se tiver, pode também integrar as minhas fileiras. Está a ser muito difícil arranjar gente capaz para combater. Ando a estudar uma nova formação, mas só encontro gente incompetente.
De espanto em espanto com esta conversa, que me soava completamente desconexa, calei-me que nem um rato, pois o Sr. Machado, quanto mais avançava no seu discurso, mais excitado parecia.
E continuou:
O César não pára de insistir que tenho de me despachar, e agora estou num impasse pois falta-me um Centurião. Tinha o Longino, mas partiu para Jerusalém, fiquei sem o meu melhor Oficial, e tenho de mandar os meus homens para uma campanha na Gália.
Olhou novamente para mim com fixidez, e acrescentou: Não quer substituí-lo? Cortava o cabelo, e com a armadura disfarçava as suas formas de Menina. Tem um ar bravo de quem daria um bom centurião!
Quem será o Longino? - pensava eu para os meus botões - em que filme é que me meteram?
Vou dar-lhe os primeiros ensinamentos para percebeu o seu papel na minha Legião - disse.
Retirou uma caixa de fósforos de cozinha do bolso do casaco, afastou as chávenas de café para um canto, e começou a explicar-me, exaustivamente, com os fósforos, as formações, dizendo que para a Gália iria utilizar a formação Tartaruga.
E a Menina ficará responsável por uma Centúria! Percebeu bem a técnica de combate que tem de impôr aos seus subordinados?
Acabei por achar que a única maneira de ouvir mais o Sr. Machado seria alinhar na sua loucura, muito única, em particular, por dominar, completamente, todo o funcionamento das centúrias, legiões, em suma, todo o Exercito Romano, e estar tão convencido que o seu papel histórico teria de ser cumprido.
Como aqueles delírios eram bastante educativos, e não faziam mal a ninguém, assumi o papel desejado, aprendi todas as técnicas de combate, através das formações aprendidas com os fósforos, colocados nas posições devidas, fossem elas, a formação tartaruga, diamante ou uma falange.
Estas aulas duraram dois anos, tempo que frequentei assiduamente o Monte Carlo, tendo rumado depois para outras paragens, e perdido para sempre o rasto ao único Tribuno de Roma que conheci até hoje, e que desconheço como acabou os seus dias.
Resta o pormenor do adesivo na orelha, que quem tiver tido a paciência de chegar até aqui, se questionará. Era fruto de uma batalha, onde quis estar pessoalmente presente ao lado dos seus bravos guerreiros, e que lhe tinha custado a orelha, que, claro, tinha-a na realidade, mas escondida sob o adesivo que renovava todos os dias para dar veracidade aos seus argumentos.
Teresa David-fotos retiradas da Net

28 comentários:

Marta Vinhais disse...

Interessante a tua história, Teresa.
Manteve viva a época que mais o fascinou...
Quanto ao que aconteceu à fisionomia da cidade, infelizmente acontece em qualquer cidade, aqui no Porto - são valores/história/características que se perdem.
Beijos e abraços
Marta

o alquimista disse...

Sabes cara amiga, eu tenho um projecto que faz reconstituições históricas...um dia desses convido-te a assistir a uma...


Doce beijo

ASPÁSIA disse...

OLA AMIGA

OLHA... ESTOU BASTANTE CANSADOTA MAS ESTIVE ALER ATE EM VOZ ALTA PARA O MEU PAI OUVIR...
ELE ACHOU IMENSA GRAÇA...

ENTAO JA VEJO DONDE VEM ESSE INTERESSE TÃO "ROMANESCO"... PELOS TRIBUNOS DE ROMA...

NAO FOSTE CENTURIÃO POR UM TRIZ ... DE 2000 ANOS...JÁ TINHAS A CIÈNCIA TODA NECESSARIA!!!

ESTÁ MUITISSIMO GIRA A HISTÓRIA... O PERSONAGEM É O MAIS PITORESCO QUE AT+E AGORA DESCREVESTE E LOGO CONTACTASTE COM ELE TÃO DE PERTO E DE UMA FORMA TÃO HUMANA... FOSTE TU, APESAR DA LOUCURA DELE, QUE O OUVISTE DURANTE 2 ANOS... EU SEI Q NÃO SÓ ESTAVAS INTERESSADA NAS TACTICAS DE ROMA. MAS TB VISTE ALI UM SER HUMANO Q PRECISAVA DE UMA AMIGA!!!

ASPÁSIA disse...

perdi metade do commente Q JA TINHA ESCRITO...
VOU ETNTAR RECUPERAR. TENHO A CABEÇA VAZIA DEVIDO FALTA DE SONO.

ASPÁSIA disse...

E ASSIM SE COMPROVA COM ESTA HISTORIA UMA VEZ MAIS ESSE GRANDE CORAÇÃO...

NÃO ERA UMA QUAKLQUER QUE IA "ATURAR UM MALUCO" DURANTE 2 ANOS, MENINA!!! TU VISTE Q ESSE HOMEM PRECISAVA MUITO DE FALAR... POR ACASO FOI SOIBRE AS TACTICAS DAS LEGIOES... MAS O QUE INTERESSA É QUE ELE VIU EM TI UMA AMIGA... E ALIADA :) DESTE LHE DECERTO UMA GRANDE ALEGRIA E CONFORTO... E FICASTE TU PROPRIA DATISFEITA COM ISSO TENHO ACERTEZA!!!

EU AINDA VOU VER SE DESCUBRO "ALGUMA VELHA RECORDAÇÃO DESSES TEMPOS".... SE DESCOBRIR LOGO SABERAS... ;))

HOJE TENHO DE IR JA P CAMA. AS OBRAS NO PREDIO COMEÇAM MUITO CEDO...

UM GRANDE BEIJO... A UMA GRANDE LEGIONÁRIA!!! QUE DIGO??? CENTURIÃ !!!
:-))

M. disse...

Fabulosa, Teresa! Ainda bem que a contaste aqui.

Menina Marota disse...

Espectacular!
Vinha aqui deixar-te um abraço desta longa ausência que tenho andado dos blogues e deparei-me com uma história fabulosa!
Voltarei a outras horas, para ler os restantes ponts que tenho perdido.
Um abraço carinhoso e boa semana ;)

Cusco disse...

O meu obrigado por esta bela história e pelos comentários na minha casota.
Bjs e até breve
SE DEUS QUISER

Helena Velho disse...

Teresa! Que história trágica e simultaneamente tão risível.Escreva , não só dos personagens que conheceu(conhece) MAS DOS QUE POVOAM ESSA IMENSA CABEÇA.Daria uma romancista fantástica.
Eu também a leria com o afã que aqui dedico!
Beijos minha Centuriã!
Avé!


PS: os advérbios de modo não são acentuados..perdoe-me a intromissão,mas não gosto que as pessoas que aprecio falhem por tão pouco.

Helena Velho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helena Velho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Era uma vez um Girassol disse...

Loucos desses não fazem mal a ninguém...
Mas existem outros...
História divertida, pena o cenário também já não existir!
Beijinhos

Paúl dos Patudos disse...

Foi uma história lida com imagens a povoarem a mente, reportando-nos para o império romano e quase a vivenciar-mos os factos. Gostei muito.
beijos
Ana PAula

Lia disse...

Todos nós temos um mundo de fantasia ao qual recorremos quando a realidade é bem mais dura de enfrentar.

Gostei de te ler.

Beijinhos

MJ disse...

Bom dia, querida Teresa :-)

O prometido é devido e, eis-me aqui, deliciada, após a leitura de tão "fantástica" história, contada, como é habitual, de forma tão bela.

Começo a ficar com uma certa "invejazinha" por não ter conhecido estas personagens :-)

Esta foi, de todas, a que mais me fascinou.

Imaginar que este homem, na sua loucura, deveria ser extremamente feliz... tinha objectivos concretos, acreditava neles fervorosamente... E o seu poder de persuasão? Adoraria tê-lo conhecido.

Li o comentário de "O Alquimista" e parece-me que tu própria bem poderias, com base no conhecimento destas "preciosidades", propôr à CML, um projecto de reconstituições históricas semelhante ao que o Alquimista referiu.

Estes "relatos" não deverão perder-se no Tempo. É "obrigatório" um registo indelével para que permaneçam eternamente vivos.

Obrigada pela partilha :-)

Um beijo grande*

Eremit@ disse...

bela estória. Lembro-me de mtos destes loucos mansos k pululavam por Lxa, com as suas idiossincráticas estórias tão reais. Tmb fui cliente assídua do Monte Carlo.
Quem sabo qnts vezes - ou talvez não- por lá estivemos p/ só nos virmos a conhecer tantos anos depois e tão longe do dito/Zara...
Bj
bom dia
Luz e paz

Titá disse...

Gostei muito deste post.


Um beijinho

bettips disse...

As fotos espectaculares, remetem-nos para o fantástico do teu conto! E por aí nos desenrolamos, numa doce ilusão, tal como vivia o Sr.Machado. Bela forma, como aliás dizes na tua introdução de "Fantasias", ter um lugar para elas... Fascinante, esta tua forma de lembrar. Gostei muito...e espero mais... Bjinho

Alexandre disse...

Olá, embora não tenha a ver com o post parabéns por este dia.

No meu blog faço uma pequena homenagem às MULHERES: está lá uma rosa e um pequeno poema também para ti.

Beijinhos!!!

Fragmentos Betty Martins disse...

Teresa

Adoro estas histórias - sente-se sons e aromas - pairando no ar....


A minha mensagem escrita “à minha maneira”______nos sentires que eu traduzo_________na palavra.


Um grito selvagem________a mulher cantou
deliciou e não assustou a vasta plateia________que a admirou
nas mãos________cordas de nós feitos______escondidos
e falsos sorrisos_________aplaudiram

tenha o peito cingido por uma écharpe de seda
todo o seu corpo estava preso nas malhas ______de um belo vestido
bem medido.cuidado.civilizado
bailava a plena liberdade _________ em seus olhos
o que as malhas não tinham força para prender
e se soltou das grades_______________a voz


FELIZ DIA! QUE TODOS OS DIAS SEJAM DIAS DA MULHER!

Beijo com muito carinho

Diafragma disse...

Só hoje aqui pude vir, mas estava em pulgas por conhecer a história!
De facto é fabulosa, e não sei como reagiria se fosse comigo, pois não deve ser fácil acompanhar alguém assim...
Olha, adorei. Mais uma para juntares a tantas outras que andam escondidas nessa cabeça!

Elsa Sequeira disse...

Olá!
Passei por cá!!

e gostei muito!
parabens!
Muita força para ti!

:)

GEMINI_XIII disse...

Não sou de grandes certezas, caso fosse não seria adepto de teria e pratica filosofia, em que me produz uma certa convicção, de que só o incerto é certo, só a incerteza é garantida.

De certa forma esta história se encaixa neste ponto na medida em que deixa perguntas sem resposta o que se encaixa muito deliciosamente na Actividade Principal da Filosofia, ou seja, perguntas sem respostas satisfatóriamente imediatas, obrigama pensar. Penso que esta história envolve esta obrigação a pensar, nem que seja em ultima analise, pensar o que se sente de uma historia destas.

Houve quem me dissesse que toda a gente é louca (não num sentido fisico-biologico) num sentido em que somos loucos porque não nos encontramos com quem somos e quando nos encontramos e nos perdemos na nossa loucura, sem julgar quem será mais louco, aqueles que se entregam á sua loucura ou aqueles que não a abraçam com toda a sua força, entrega e sinceridade, direi que devemos no minimo pensar sobre o que é loucura, se será boa ou má e porquê?

Bejinho

Duarte Ferreira de Rico

isabel mendes ferreira disse...

A excelência.


o apuro.



_______________


elegíaco.



_______________

beijo. T.

Fragmentos Betty Martins disse...

Teresa

Agradeço de coração as palavras que me deixou de forma tão carinhosa.

deixo um:))
uma flor
e
um beijo com carinho

BDomingo

MJ disse...

Bom dia, querida:-)

Vim trazer-te um beijinho e desejar-te um óptimo Domingo! :-)

alquimista disse...

Boa tarde TERESA:

Francamente gostei.

Um bom Domingo, mais uma vez.

DE-PROPOSITO disse...

'Adesivos'
..........
Quantos na vida não passam de adesivos. E conseguem sobreviver assim.
Fica bem.
Feliciodades.
Manuel