terça-feira, janeiro 10, 2006



O HOMEM MISTERIOSO E O SEU CÃO


Durante dez anos consecutivos, habitei todos os fins de tarde um restaurante-cervejaria, local de encontro, em Almada, onde paravam alguns bons amigos actores do Teatro. A par de nós, na mesa mais perto da porta da entrada, voltado para ela, estava também, e invariávelmente, todos os dias, um homem silencioso dos seus 30 anos, acompanhado por um cão de raça Basset Hound, que se deitava a seus pés, mantendo-se de tal forma estático, que não resistia a olhá-lo amiúde na vã tentativa de ver, no mínimo, o pestanejar dos seus olhos.

O seu dono lia, rígido igualmente, não proferindo nem mais uma palavra do que as necessárias para pedir o café e o copo de água que consumia. E lia, lia, lia, sem girar os olhos, que pareciam presos numa linha qualquer algures no livro, durante horas.

Um dia, com espanto, ao entrar no restaurante dei pela sua ausência, e de imediato, perguntei ao dono se algo teria acontecido. Deitou-me um olhar entristecido e incrédulo, e respondeu: Não sabe ainda? Veio nos jornais! Atirou-se do 6º andar do prédio onde vivia, aquele já a seguir daqui, e morreu, claro!

Estupefacta apenas me ocorreu dizer: E o cão?

Ah! o cão. Coitadito, atirou-se também, atrás do dono, mas inexplicávelmente ficou vivo!

Teresa David

2 comentários:

joao firmino disse...

Olá:
Cada um retira a sua conclusão depois de ler um conto. Eu retirei a minha: quando alguém que nos é muito querido se retira abruptamente e nós, por amor e dedicação, vamos atrás para estar por perto, muito depressa nos damos conta que esse não é o nosso caminho. Por isso não morremos, para que possamos ainda percorrer a tempo o nosso próprio caminho.
Beijinhos e muita garra neste Blog.
João Firmino

Raquel Vasconcelos disse...

Os cães são animais de uma dedicação especial...
Sem dúvida...

O comment anterior n deixa de ter o seu realismo também...