quinta-feira, abril 19, 2007

Há mais de um ano publiquei esta história, mas como nessa altura eram poucos os que me visitavam, decidi pegar-lhe de novo, retocá-la e voltar a editá-la aqui. Espero que gostem!
AS NINFAS
Fizera há pouco tempo 15 anos e meus Pais nunca me tinham autorizado saídas á noite.
Contudo, tinha um primo em quem os meus pais confiavam incondicionalmente.
Com muitas explicações acabou por conseguir autorização para o acompanhar a um jantar de intelectuais.
Este primo era de uma precocidade enorme, tendo aos 10 anos publicado um livro, o único, e cedo se tornou alguém bem conhecido quando fundou a Assírio & Alvim, que ainda hoje edita obras com enorme critério de qualidade. Era, e é, o Alvim. Acabou por se ligar ao mundo editorial e percorrer em postos de chefia quase todas as grandes Editoras Nacionais. Ainda continua no ramo.
Aquele jantar pareceu-me bastante estranho na medida em que não entendia quase nada do conteúdo das conversas que se atropelavam sobre a mesa, logo, após alguns copos de vinho que nunca bebera, quando um falecido crítico de Arte, em particular de Dança, de nome Tomáz Ribas, que era gay e tinha um fraquinho pelo meu primo, propôs irmos todos para um bar nas Avenidas Novas propriedade de um actor, que por coincidência era casado com uma professora de bailado com a qual eu tivera aulas de dança, casamento que acabou em divórcio apesar de ter restado uma enorme amizade, mas ele era inequivocamente homossexual, saltou-me logo o pézinho e com uma euforia quase infantil gritei ao ouvido do meu primo: Vamos, vamos!
Como já foi dito atrás, eu nunca bebera álcool antes. Aqueles dois copos de vinho já me tinham deixado uma ligeira névoa em volta da realidade, contudo, não a suficiente para que não recorde até hoje, o que a seguir presenciei.
Um toque na porta fez acender uma luz azul, o que me despertou a curiosidade e fez voltar para ver quem iria entrar.
Quase caí do banco onde estava sentada quando vejo entrar o Rudolfo Nureyev seguido por meia dúzia de jovens rapazes, todos, incluíndo ele, vestidos com túnicas transparentes, collants, e coroas de louros.
Pensei de imediato: - Quem me mandou a mim beber vinho! Será mesmo ele?
Cochichei para o meu primo: - É quem estou a pensar?
Ele confirmou com um discreto aceno assentivo de cabeça, fez-me sinal com o dedo nos lábios para nada dizer.
Calei-me sim, mas olhei-o directamente nos olhos com um olhar que deveria ser no mínimo esbugalhado de espanto e admiração! Tinha-o visto nas vésperas a dançar no S. Luis com a Margot Fontaine.
No palco parecera-me completamente inatingível, qual deus voando sobre montes e riachos. Agora estava diante de mim, a uma distância que se esticasse o braço poder-lhe-ia tocar, sorrindo-me e a enviar-me um leve beijo com a ponta dos dedos.
Quedei-me sem ouvir nada do que se falava na nossa mesa. Apenas devorava com o olhar tudo o que se passava em meu redor.
No entanto o que se seguiu foi bem terreno e carnal. Todos se tocavam cada vez mais, na devida proporção dos copos que iam deslizando pelas gargantas.
Mesmo a parecer algo a aproximar-se dum bacanal, aquelas ninfas brancas de braços esquálidos, mãos delicadas, nunca me pareceram raiar a obscenidade, mas sim a exibição do prazer dos sentidos.
São quase 5 da manhã! - sussurou-me o meu primo ao ouvido.
Foi como se um estalar de dedos junto ao meu tímpano acontecesse. Senti-me como uma Cinderela tardia.
Ai que os meus Pais nos vão matar! - Comentei alto demais, num pânico que me fazia tremer as pernas.
Saímos discretamente, sem que nenhuma daquelas etérias e altamente embriagadas personagens desse pela nossa ausência.
Claro que a chegada a casa não foi nada bonita, mas abstenho-me de a relatar para não provocar um aviltamento àquelas horas mágicas que vivi nessa noite iniciática e longínqua.
Teresa David

22 comentários:

Luis Eme disse...

Mais uma bela história da tua juventude, Teresa...

Sabe sempre bem ler-te, porque nos levas pela mão aos sitios e nos mostras os seus lugares mais aprazíveis...

Era uma vez um Girassol disse...

Bem bonita esta história...
Quem dera que fosse eu a vivê-la!
Deve ter sido uma emoção, revivida aqui e agora...
Bjs

António Melenas disse...

mais uma belíssima hisyória de memoroas. Quem teve uma vida tão cheia, nem orecisa de imventar.
Parabéns
Bjs
____
PS. Também tenho uma nova hstória

M. disse...

Sortuda! :-) Mais uma das tuas interessantes histórias que nos prendem até ao fim e nos deixam a sensação de termos estado ao vivo com as tuas personagens.

Alexandre disse...

Que privilégio, Teresa!

Quem me dera também ter passado por experiências tão marcantes. Fazes bem tem trazer estas histórias e falares de pessoas e nomes que os mais novos com certeza não conhecem.

Beijinhos!!!

Maria disse...

Também te vim visitar, e li ... e li ... e li! Acho q já passei por aqui antes e acho até q nos conhecemos. Não jantámos já com a Júlia na Ribeira na homenagem ao Adriano. Tenho qq coisa feita por ti :-)
Vou passando por aqui. Beijos

Amla disse...

já a conheço, mas fizeste bem em postá-la de novo. É fascinante o universo da memória da juventude, p/ +qnd confrontado com esta figura - etéra era seu voar em palco, fosse qual fosse o bailado.
Bjs amiga. O pC ja vai em + de 48 horas de manobras. Imagia k acabei de almoçar há 12'....estive aqui a teimar com ele a ver se resovo o resolvível e se digna Trabalhar.
De manhã enviei um - UM - email k me absorveu 2h e + de 30'.....
Assim não dá.
Bjocas

Helena Velho disse...

...Teresa!
Que delícia de memória(s)!

Helena Velho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jorge esteves disse...

Essa é a capacidade da memória: de podermos saltar para o outro lado, como a Alice, e observarmos os ausentes...
Abraços!

Lia disse...

Rudolfo Nureyev e Margot Fontaine foram o par mais perfeito. Eles e Barishnikov são os meus ídolos no mundo da Dança.
Gostava de ter tido o prazer de os ter visto ao vivo, mas era demasiado pequena.

Adorei a tua história. Envolvente, da primeira à última linha.

Um beijo

ASPÁSIA disse...

OLA TERESA

QUE PRIVILEGIO TERES CONHECIDO ASSIM TAO DE PERTO O GRANDE RUDOLF N., SUCESSOR DE NIJINSKY...

RECORDO ME BEM DE VER NA TV O PAR MARGOT-RUDOLF, AINDA HOJE CREIO Q O MAIS PARADIGMATICO NO UNIVERSO DO BALLET.

BOM F D S APESAR DA CHUVA...

BEIJINHOS

ASPÁSIA disse...

TB ANDEI 2 OU 3 ANOS NO BALLET, 1º NO CONSERVATORIO E DEPOIS COM A RECENTEMENTE FALECIDA PROF.ª MARGARIDA DE ABREU (NO ATENEU DE LISBOA), ANTIGA COLEGA DE MEU PAI NALGUMAS RÉCITAS, ONDE ELA INTEGRAVA O CORPO DE BAILE E MEU PAI CANTAVA NA SOC. CORAL DUARTE LOBO.

bettips disse...

Vim mais tarde...olhei a foto e pensei:não me digas que ela viu o Rudolf Nureyev! E pronto, lá estava a garotinha(!!) encantada numa noite de ninfas. E vivemos o momento contigo, da forma como no-lo descreves. Maravilha de noite, T e que sorte a tua. Se fosse hoje, pedias um retratinho? Ele era tão lindo como ela, a Margot: dois cisnes. E depois, aquela sensualidade era...altamente espiritual, uma dança de olhares e penas. Quem virá a seguir? Bjinho e bom week-end

Menina Marota disse...

Espantosa narrativa. Adorei ler esta, aliás adoro todas as tuas histórias e, a forma tão simples, mas bela de as contares.

Um abraço carinhoso e tem um excelente fim de semana ;)

(vou estar ausente uns tempos, mas um dia destes volto.)

Bj ;)

Afrodite disse...

Não é já altura de publicares um livro com as tuas memórias?

O blog é 'pequeno' para a dimensão das mesmas.

Pensa nisso (.... no regresso....)

Isamar disse...

Desejo-te um bom fim de semana.
Beijinhos

Tozé Franco disse...

Grande historia. Daqueleas que nunca mais esquecemos e este post é a prova.
Um abraço.

Alexandre disse...

VIVA!!!

Resultou!

Beijinhos!!!

MJ disse...

Bom dia, Teresa :-)

Que surpresa boa ter vindo ao teu blog e ter-me "deparado" com tão fascinante relato!

Viveste momentos mágicos.

Este deve ter parecido um sonho.
Que "inveja"!!! :-)))) (kidding)

Um beijo grande e um bom Domingo*

Eduquês disse...

Há mais um sítio para cuscar...
http://pedagoges.blogspot.com/

Lúcio Ferro disse...

Ena, grande festança. Enfim, para bacanais já dei e muito sinceramente acho-os vácuos, promíscuos e penso que denotam da parte dos intervenientes uma enorme solidão e carências afectivas.

Cumprimentos