sábado, março 17, 2007



ANDA PACHECO!

Nasci em casa, coisa já rara hoje, particularmente em Lisboa. Mas eu ainda nasci. Numa rua com três saídas que a ligam á Av. de Roma, João XXI e Areeiro.

Por lá existiam várias mercearias, frutarias, peixaria e talho, quase todos desaparecidos, nomeadamente a mercearia que irá ser alvo da minha história.

Era decorada com gavetões e estantes de madeira, tudo pintado de cor creme, nas quais através dos vidros eram visíveis os géneros que queríamos adquirir. Na parede fronteira á porta de entrada, uma guitarra Portuguesa encimava a passagem para os intestinos da loja, e uma foto do Sr. Pacheco ao seu lado, em pose de estar prestes a começar a dedilhar a mesma, todo aperaltado, ao invés da imagem desleixada que sempre tinha, ao usar uma camisola rota nos cotovelos, e desfiada nas extremidades, sem que, no entanto, deixasse de babar para todas as clientes. Era uma prova de resistência fazer compras ali, pois poder-se-ia esperar tempos infinitos até sermos atendidos, dado ser muito conversador, e a mercearia o ponto de encontro de todas as coscuvilheiras da rua. Daí, na minha casa, fazermos as encomendas pelo telefone.

Sua mulher e filho ajudavam na loja, ela mulher bem mais nova do que ele, provinciana, moura de trabalho, que por vezes se substituía ao filho, que estava encarregado de levar as compras das freguesas a casa, para desabafar as suas mágoas com as clientes, nomeadamente com a minha Mãe. Eu fingia que nada ouvia, mas ia apanhando pontas soltas aqui e ali, que me entretinha a unir para tirar o sentido das lamentações. Acabei por perceber que o Sr. Pacheco era mulherengo, não a tratava muito bem, e lembro-me mesmo de ela dizer: Comigo é um unhas-de-fome, mas com as porcas com quem anda é um mãos rotas!

Daí ter surgido uma afirmação minha engraçada, quando do alto da minha sabedoria de 8 anos de idade, a mesma que o filho do Sr. Pacheco, o Mário, tinha, quando me perguntaram o que quereria ser quando fosse grande: AMANTE!

E tem lógica, convenhamos! Se as legitimas eram mal tratadas, seria muito melhor ser amante. Ironicamente nunca o fui, mas sim mulher legitima sempre, até me cansar, ao cabo de 5 casamentos, e decidir ficar comigo própria que estaria muito melhor. Mas isso já é outra história!

Ora o Sr. Pacheco, dividia a sua vida entre a mercearia e as casas de fados onde actuava, sendo o guitarrista preferido da Hermínia Silva, sim o tal do: ANDA PACHECO! É esse mesmo, e seu filho cedo começou a seguir o exemplo do Pai no manejo da guitarra, ao ponto de hoje em dia já ter composto para grandes nomes do fado, são da autoria dele, algumas das músicas da Mariza, acompanhou ainda alguns anos a Amália, e poder viver a sua paixão sem ter de recorrer a outro trabalho que não seja a música.

Contudo, nunca esqueci o garoto, que tocava á nossa campainha, eu ia á janela, e divertia-me imenso a deitar do cima do 3º piso, o cesto das compras preso a uma corda de vários metros, onde ele metia as nossas encomendas.

Teresa David-desenho recolhido na net

22 comentários:

Marta Vinhais disse...

Que história interessante e sim, lembro-me de ouvir a Herminia Silva a dizer "Anda Pacheco".
Gostei muito, Teresa.
Bom fim de semana.
Beijos e abraços
Marta

Helena Velho disse...

OH! Teresa! que vida maravilhosa que deve ter tido. É tão emocionante conhecermos pessoas como a Teresa que têm memórias históricas e referenciais.
Mais uma vez Parabéns!
Um bj. da
Helena que cá a espera.....

MJ disse...

Querida Tersa:-)

Só para te deixar um beijinho e desejar um bom Domingo*

A história será lida amanhã com tempo e atenção. (ainda estou a corrigir testes!)

Paúl dos Patudos disse...

São histórias como esta, que nos marcam a nossa infância pela positiva. É muito bom recordar, sem ser-mos saudosistas.
bom fim de semana
beijos
Ana Paula

M. disse...

Mais uma história giríssima, Teresa. Que engraçado, em minha casa, que era num terceiro andar alto com uma varanda estreita mas comprida, também existia um cesto pendurado numa corda que descia e subia conforme as necessidades das compras domésticas. E não só: às vezes também dava para pregar partidas a quem passava na rua... Muito ríamos, eu e o meu irmão, a pousar o dito cesto na cabeça de quem passava no passeio!

Tozé Franco disse...

A expressão já faz parte do imaginário português.
Também o termo jaquinzinhos para as carapaus pequenos foi divulgado pela Hermínia Silva. Já falei disso num post.
Também eu nasci em casa, no quarto onde dormi até ter casa própria.
Outros tempos.
Um abraço e bom Domingo.

alquimista disse...

Boa noite Teresa David:

Pois é, Pacheco, Ary, sei lá que mais... O preço da "capitalidade":):)

Já vi que também está a dar lustro às suas recordações...e muito bem.

Um bom fim de semana para si

Isamar disse...

Gostei muito do teu post. Lembro-me de fazer o mesmo, quando passava férias em Lisboa, em Campo de Ourique, perto da Igreja de Santa Isabel. A senhora da mercearia era baixinha, roliça, simpática e tinha um marido que era um anjo.
O senhor António, mandava-me rebuçados de mel no cestinho das compras.
Quanto ao senhor Pacheco, lembro-me bem dele e da Hermínia Silva que a minha mãe tanto adorava.
Beijinhos

bettips disse...

Espero bem que vás lembrando mais...são encantadoramente "portuguesas", as tuas memórias das pessoas dessa época! Uma ideia giríssima, Teresa! Bj

MJ disse...

Bom dia, Teresa:-)

Estas tuas histórias contadas de forma magistral encantam-nos e tocam-nos a todos. :-)

Apesar de, com grande pena minha, não as ter vivido nem ter conhecido estas "personagens", aqui e ali, há salpicos de memórias semelhantes que estavam esquecidas lá bem no fundo da baú.

Recordei a mercearia do Sr. Américo da Camila onde a minha mãe fazia as compras, não muito diferente da que, aqui, descreves.

Ri-me imenso com a resposta que deste sobre os planos que tinhas para o futuro. :-))

Olha que não estavas totalmente errada... Para quem tiver vocação para tal... :-), poderá não ser uma "profissão" com futuro mas que deve ter um presente cheio de "presentes", disso não tenho dúvida. :-)

Obrigada, minha querida.

Um beijo*

António Melenas disse...

A sorte que tu tens em ter tido tanto contacto com a cidade que te permite agora escrever estas crónicas deliciosas. Claro que o Pacheco, só o conheço de o ver a tocar para Hermínia.

Tem graça. Fiquei muito admirado com a tua constatação de que mudei de idade nos últimos dias, uma vez que não faço no post qualquer referencia a essa mudança. Afinal fui ver o meu perfil e verifiquei que o próprio blogue fez automaticamente a actualização de 77 para 78.
E esta hein?
Um beijinho

ASPÁSIA disse...

OLA TERESOKAS..

ESTA HISTORIA ATE ME POS MAIS BEM DISPOSTA.

QSE NAO OLHO O ECRAN... DEPOIS DA DOR NOS OLHOS Q ME LIVREI ONTEM. ESTOU C MEDO..
ISTO É UMA LIMITAÇÃP ELEVADA... MESMO ASSIM METI ME NISTO DOS BLOGS PQ R«TIVE ALGUMAS MELHORAS

LEMBRO A HERMÍNIA COM MUITA SAUDAE E LEMBRO ME BEM DO "ANDA PACHECO!".. QUEM M DIRIA A MIM Q O CONHECESTE TAO DE PERTO..

E ESSA TUA RESPOSTA FACETA FOI DO MELHOR!!!

MAS AFINAL QUEM NAO QUER SER AMANTE, MESMO CASADA/O ? UMA COISA NOA IMPEDE E ATE SE DEVE FAZER COM A OUTRA !!! ACHO EU...

OLHA EU AI CINTRARIO DE TI, FUI SEMPORE AMANTE, FILHA ! ;)))

MAS TB NAO FORAM MUITOS, FORAM 3... ALEM DISSO SOU UMA SERIAL KILLER... E NAO UMA PARALLELL KILLER!!! E QTO A VIR A CASAR TENHO FORTES DÚVIDAS... FALTA-ME VOCAÇÃO...TB NAO SE PODE TER VOCAÇÃO PARA TUDO... ;))

A TUA DESCRIÇÃO DA MERCEARIA FAZ LEMBRAR A VELHA VENDA DA ALDEIA - SANTA SUSANA - ONDE MORAVA MINHA TIA NO ALENTEJO... TB HAVIA ESSAS GAVETAS E UMA ESPECIE DE ARCAS...

QTO AO CESTO PENDURADO, EM NINHA CASA USOU SE POUCO... COMO E 4º ANDAR JA ERA PRESISA MTA CORDA... ES SE CAISSE ALGUMA COUVE LOMBARDA DO CESTO EM CIMA DE ALGUEM DE TAO ALTO... ESTAVAS A VER...

O QUE EU TIMHA ERA UM BONECO DE CELULOSE AMARRADO A UM PARAQUEDAS FEITO COM UM LENÇO GRANDE E PASSAV PARTE DA MANHA A ATIRA -LO DA VARANDA PRESO POR UM CORDEL !!! ERA GIRISSIMO, O PARAQUEDAS FUNCIONAVA MESMO...

NOMEADAMENTE QDO SOU OBIGADA A ESTAR DE OLHOS FECHADOS POR C AUA DAS DORES E NAO TENHO SONO PENSO MTO NA INFANCIA, PRINCIPALMENTE NAS FERIAS PASSADAS NO ALENTEJO... QUEM ME DERA LA VOLTAR... MAS MESMO QUE NAO FOSSE O MEU PAI, O AMBIENTE FAMILIAR POR LA ESTA MTO MAU..~
EU AINDA GOSTAVA DE REVER ALGUMAS PESSOAS DA ALDEIA DA MINHA TIA - MIMHA TIS É DE ESTREMOZ MAS VIVCEU NESSA ALDEIA DEPOIS DE CASAR , ERA PROFESSORA LA NA ESCOLA - QUE JA VAO PERTO DOS 90 ANOS QUE CONHECI E ME MIMARAM EM PEQUENITA...

ATE M AIS LOGUITO

COM CERTEZA VAMOS COMUNICANDO

BEIJITOS DOMINGUEIROS...

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Histórias interessantes de figuras conhecidas neste caso do "Anda Pacheco"...
É bom recordar esses tempos.

Mais uns elementos te estou a enviar até surgir o programa final. estou contando contigo.

Beijos

II ENCONTRO DE BLOGS EM ALVITO


AOS 21 DE ABRIL DE 2007


ESTAMOS ELABORANDO O PROGRAMA:

-COMUNICAÇÕES S/ BLOGS

-MOMENTOS DE POESIA

-CANTARES ALENTEJANOS

-VISITA AO PATRIMÓNIO CONCELHIO


MARQUE JÁ NA SUA AGENDA!


MAIS NOTÍCIAS MUITO EM BREVE.

Luis Eme disse...

Bonito testemunho.

Lembro-me bem dos trejeitos da Herminia, com o sempre cómico «anda pacheco»...

Pedro Branco disse...

Já vi que os 250 é mesmo a tua idade! Eheheh

"Vim" aqui porque li num comentário teu que tinhas conhecido o Ary dos Santos no João Sebastião Bar, numa época em que o empregado era um rapazote jovem e simpático: Eu!

Engraçadas as voltas da vida...

Alexandre disse...

Fantástico, uma das histórias mais bonitas que li nos últimos tempos. Até porque conheço mais ou menos os locais de que falas, ainda por lá há umas lojinhas, mercearias, lojas de roupa, mas os chineses estão tomando conta desse comércio tradicional que não voltará mais.

Nunca vivi nesse sítio de Lisboa mas para mim é um local mágico por várias razões.

Beijinhos. Essas histórias deviam ser reunidas em livro...

Trebor disse...

Cara Teresa

Acabo descobrir este espaço de memórias ternas pela ingenuidade dos tempos em que tiveram época as situações e pessoas referidas.

na medida do tempo disponível, regressarei decerto com prazewr.

Um abraço.

Conceição Paulino disse...

lembras-te daquela frase k diz: "cada vez k morre um HOMEM desaparece uma biblioteca!"?
Pois é.
Se alguém se lembrar quem a pronunciou pela 1ª vez agradeço k me diga pois já aperdi na memória dos séculos...
Bjs
Luz e paz
P.S - vou escrever um email sobre uma coisitita....

Lia disse...

Eu também nasci em casa, mas em Luanda...

Realmente não há melhor que ser amante, amada...

Beijinhos

Diafragma disse...

É curioso, vivi aí pertíssimo embora apenas 1 ou 2 anos mas não me lembro dessa mercearia nem do Sr Pacheco!
Mas foi bom mudarmos de bairro e saber mais umas curiosidades de Lisboa!

despertando disse...

Olá Teresa fiquei fascinada com a sua história, fez-me recordar as traquinices da minha infância na rua onde nasci, que por sinal deve ser muito próxima da sua.
O meu espaço de brincadeira era uns metros de passeio da rua que vai do Areeiro à Morais Soares...
Lembro-me com alguma nostalgia das tardes a brincar à Linda Falua.
Agora....? agora quando lá passo não vejo nem uma criança, devem estar sentados a jogar o com seu melhor amigo o "PC"....
Bjs para si.

APC disse...

:-)))
Delicioso!
Genuíno!
Rico!