domingo, janeiro 28, 2007



PEITO ARDENTE

Não são de cão as garras que se enterram no meu peito desnudo.

Olho, indiferente, o sangue que escorre peito abaixo, aquecendo a barriga com um quente viscoso.

Alheia, estática, o olhar fixa-se num ponto existente em nenhures.

Estado comatoso, sentada, transida de frio, á espera do beijo encantado que me poderá despertar!

Teresa David - quadro de Lucien Freud

quinta-feira, janeiro 25, 2007



AS COFFEE SHOP

Gosto muito de cafés, pastelarias, cervejarias, restaurantes, em suma, sítios onde se possa comer ou beber, de preferência em qualidade, e sem excessos.

De dia, para dia, sinto em Portugal mais dificuldade em habitar tais sítios sem me sentir completamente desconfortável. Ir para o café beber a bica, e tentar ler um livro é algo quase impossível, pois mesmo que tenha apenas uma ou duas pessoas, elas lançam as suas vozes até aos limites das cordas vocais, por detrás do balcão as chávenas gritam em encontrões entre si, e os empregados vociferam a raiva de serem mal pagos, suponho.

Ainda encontro um que outro restaurante mais calmo, mas se tenho o azar de haver aniversariantes logo a confusão e gritaria começa, ao ritmo dos copos que vão sendo despejados.

É então que recordo as minhas idas á Holanda, onde também se come e bebe, mas ninguém se atreve a altear a voz, pois seria logo olhado ferozmente por alguém, uma vez que o civismo já faz parte do quotidiano daquela gente, sem escolha de classes.

Indo mais longe não resisto a relembrar as coffee shops, que mal se cruza a porta ficamos pedrados pelo cheiro intenso da mistura do haxixe com a marijuana, mas onde se respira silêncio e paz. E questiono-me: Para quê reprimir e ilegalizar seja o que fôr, se numa sociedade civilizada em que existe o respeito uns pelos outros, ninguém por auto-repressão se atreve a incomodar os outros?

Acresce ainda que enquanto as drogas leves tornam as pessoas pacíficas, o alcóol que somos campeões de consumo, torna muita gente briguenta e completamente anti-social,

Não estou a fazer a apologia do consumo, pois apesar do tabaco que é legal ser tão ou mais deletério que as drogas leves para a saúde, para mim a base de tudo é o ânsia de ainda conseguir ver um dia, as pessoas neste País respeitarem as escolhas umas das outras sem agressões ou preconceitos bacocos.

Mas cada vez me parece mais uma utopia!

Teresa David-foto minha de Amesterdão

sexta-feira, janeiro 19, 2007



UMA GAIVOTA
Estava eu pacatamente a começar a comer uma gigantesca tosta mista em pão saloio, no 4º andar dos serviços médicos bancários, junto á rasgada janela sobre a mesquita perto da Praça de Espanha, onde me desloco amiúde para tratar as mazelas do corpo, quando ouvi um bicar estranho vindo da janela. Olhei, e apercebi-me que uma gaivota estava no parapeito a olhar-me fixamente. Como o rio ainda fica longe, achei estranha a sua presença por ali, mas continuei a trincar a minha tosta. Nova bicada, novo olhar, e o fixar-me de novo nos olhos! Aí já comecei a achar um pouco estranho, pois nunca tinha pensado ser possível uma gaivota ter um olhar tão penetrante.
Desconfiada que ela já seria "cliente" habitual dali, abri a janela e partilhei a minha tosta, que de tão grande exorbitava o meu apetite, e verifiquei que engoliu o pedaço de imediato, e voltou a olhar para mim fixamente. Voltei a abrir a janela, e dei-lhe á mão mais um bocado, que desapareceu num ápice.
Solitariamente divertida comecei a pensar com os meus botões que no fundo todos os animais se permitirmos arranjam forma de dialogar connosco. Mas foi a primeira vez que travei conhecimento de tão perto, e desta forma, com uma gaivota, que depois de saciada a fome me deitou um último olhar, e voou rápidamente para um candeeiro bem longe de mim.
Teresa David- fotos minhas

segunda-feira, janeiro 15, 2007






OS MUSEUS QUE VISITEI EM AMESTERDÃO
Desde muito tenra idade que tive o privilégio de visitar Museus. Meu Pai, amante incondicional de pintura, começou a levar-me a visitar exposições a partir dos 3 anos de idade. E como creio firmemente que é de pequeno que se adquirem hábitos de cultura, a ele devo ter permanecido até hoje com este prazer de deslumbrar-me com a Arte.
Embora já tivesse visitado o Museu Van Gogh na minha estadia em Amesterdão em 2003, achei que seria incontornável lá voltar, e em boa hora o fiz, pois tive a sorte de apanhar uma exposição temporária dos Modernistas Alemães, entre os quais Kandinsky, cuja obra nunca tinha visto ao vivo.
No Rijksmuseum vi uma extensa colecção da obra de Rembrandt, pintor presente em muitos recantos da cidade, quer através de monumentos em seu louvor, como da casa-museu onde habitou, e até de cafés ou pubs com o seu nome.
Por fim, consegui ver alguns quadros de coleccionadores russos que pertencem ao Hermitage de S. Petersburgo, mas estavam "na filial" Holandesa desse gigantesco Museu.
Deixo aqui as imagens de alguns quadros, que por razões diferentes me impressionaram, e gostava de partilhar desta forma o prazer que tive em sentar-me em frente deles e olhá-los longamente.
Mas o que realmente mexeu mais comigo foi ver, mães e pais com as suas crianças pequenas, a ensinar-lhes os nomes dos Pintores, pormenores dos quadros, para os tornar homens e mulheres com uma bagagem, que infelizmente já perdi a esperança de ver os nossos descendentes portugueses terem!
Teresa David
Da esquerda para a direita:
Quadro sarcástico do pintor Alfred de Dreux (1857) - Hermitage
A noiva judia de Rembrandt - Rijksmuseum
A cozinheira de Vermeer - Rijksmuseum
O cisne enfurecido de Jan Asselyn pintor do século XVII. Este quadro é um simbolo patriótico para os Holandeses
Quanto ao sapatos velhos é um quadro pouco conhecido de Van Gogh que já da outra ida ao Museu me tinha impressionado pela diferença em relação á sua restante obra.

quarta-feira, janeiro 10, 2007



A ESTRELA DO MAR

Uma Estrela do Mar na areia aportou.

O Sol queimante a matou.

Os banhistas á beira mar á bola jogavam,

e a Estrela do Mar, esmagaram.

Todos partiram e a noite chegou,

só a Estrela do Mar na areia ficou!

Teresa David- Aguarela pintada por mim

sábado, janeiro 06, 2007




OS CORVOS DE AMESTERDÃO

Ao passear-me pelas ruas de Amesterdão comecei a encontrar amiúde corvos empoleirados em árvores, plácidos, quase sem mexer, e nos arredores da cidade a caminharem lentamente pelos relvados.

Isso fez-me andar para trás até á infância, e recordar, os meus 8 anos, em que já partilhava a leitura do jornal com meu pai, que me dava sempre, além dos suplementos infantis, a página onde se encontrava a crónica de Leitão de Barros no Diário de Notícias, de nome "OS CORVOS", enquanto me dizia: Cultiva o sentido de humor que é uma das melhores armas que poderás ter ao longo da vida.

Eram sátiras de costumes, de uma finura de linguagem, que hoje, infelizmente, raramente se encontra nos cronistas contemporâneos. Embora ele tenha sido cineasta e eu tenha visto, em reprise, os seus filmes, nomeadamente, A SEVERA, ALA ARRIBA, e principalmente CAMÕES, onde uma das minhas tias maternas, agora com 91 anos, foi buscada a casa pessoalmente pelo Leitão de Barros, para participar num pequeno papel no filme,mas a sua gigantesca timidez e preconceitos, fizeram que lhe passasse ao lado uma carreira de actriz, são as suas crónicas que me ficaram a dançar na memória através dos anos, e provocaram recordá-lo quando decidi falar dos corvos de Amesterdão, pois os de Lisboa, só se encontram nos nossos dias na bandeira da edilidade!

Daí não resisto, e deixo aqui uma das suas crónicas, que infelizmente, diria mesmo, lamentavelmente, continua actual, apesar de decorridos quase 50 anos sobre a sua publicação:

VISTORIA

Um dos aspectos simbólicos das mais altas tradições peninsulares é o cuspir no chão. "Se proibe escupir en en suelo", "É proibido cuspir no chão" - são dísticos que não dei fé de ver afixados em quaisquer outros idiomas senão nos de Camões e de Cervantes. E diz-nos uma correspondente: "Na Suiça não há escarradores". A simples necessidade de fazer, por habitante, uma "capitação" da saliva é, por si, um sintoma de que permanecemos fiéis a uma histórica herança de nossos maiores. Há tempo fez-se, ingenuamente, a campanha de "engolir em seco". Chegou-se a pôr um polícia na estação do Rossio, de guarda ao cuspo. Passado, porém, certo tempo, o caso esqueceu, comos os enredos dos filmes de cinema, E o polícia foi o primeiro a cuspir, num hábito puramente profissional.

Desafio aqui alguém a dizer-me que já não vê ninguêm cuspir no chão, e com requintes de malvadez, escarros bem puxados dos seus âmagos!!!

Teresa David - aguarela minha baseada nos corvos vistos em Amesterdão

terça-feira, janeiro 02, 2007




ANNE FRANK HUIS (CASA)

Sempre fui um pouco esquiva a visitar casas/museu com cargas históricas de acontecimentos que mexeram comigo. Esta casa seria uma delas, daí não a ter visitado na primeira vez que estive em Amesterdão.
No entanto, desta vez afoitei-me, e quando entrei no esconderijo da Família Frank, em particular no quarto que ela habitara, cujas paredes forradas com fotos de estrelas de cinema da época, e estampas de flores e bichos, nos transportam para um Universo de adolescente cheia de sonhos que ficaram por cumprir, e com alguma imaginação poder-se-á visualizar as suas mãos a colar tais adereços, imagens estas que a própria menciona no seu diário quando diz: Assim o quarto fica mais acolhedor, menos pequeno!
Era a forma de abrir uma janela para o exterior - digo eu.
Pelas várias dependências encontrei ecrãs onde se podia assistir aos testemunhos de várias pessoas que passaram por aquela casa, como a secretária, e nomeadamente o seu Pai, que conseguiu ser salvo do Campo Concentração pelas Forças Aliadas.


Mas, mais do que tudo, o que realmente me fez engolir uma lágrima mais afoita, foi ver o original do diário, escrito com letra típica de menina, e tão semelhante á minha própria quando tinha a sua idade!


O meu lado familiar paterno é de origem Judaica, sem, contudo, nenhum dos seus membros ter assumido essa religião, pois todos eram ou são católicos, salvo a minha falecida tia Kika que guardava uma ambiguidade em relação aos dois lados, indo, por vezes, quase clandestinamente á Sinagoga onde mantinha boas amizades. Daí quando eu tinha 9 anos ter-me oferecido o "Exodus" de Leon Üris, e o Diário de Anne Frank, enquanto me dizia: Por mais que queiramos nunca fugimos aos nossos antepassados. Logo, é melhor que aprendas alguma coisa sobre o que lhes aconteceu, pois apesar de tudo corre-nos sangue judeu nas veias!

Foram estas palavras que me bailaram na memória, e que me fizeram regredir á minha própria infância, sensibilizar, e particularmente indignar-me, porque àquela Menina bastar-lhe-ia mais um mês de vida e teria sobrevivido aos Nazis!

Mas se assim tivesse acontecido o seu testemunho teria chegado até nós, e eu estaria agora a escrever a seu respeito?

Teresa David-fotos de postais ilustrados comprados na Casa de Anne Frank pois era proibido fotografar no seu interior.