
OS CORVOS DE AMESTERDÃO
Ao passear-me pelas ruas de Amesterdão comecei a encontrar amiúde corvos empoleirados em árvores, plácidos, quase sem mexer, e nos arredores da cidade a caminharem lentamente pelos relvados.
Isso fez-me andar para trás até á infância, e recordar, os meus 8 anos, em que já partilhava a leitura do jornal com meu pai, que me dava sempre, além dos suplementos infantis, a página onde se encontrava a crónica de Leitão de Barros no Diário de Notícias, de nome "OS CORVOS", enquanto me dizia: Cultiva o sentido de humor que é uma das melhores armas que poderás ter ao longo da vida.
Eram sátiras de costumes, de uma finura de linguagem, que hoje, infelizmente, raramente se encontra nos cronistas contemporâneos. Embora ele tenha sido cineasta e eu tenha visto, em reprise, os seus filmes, nomeadamente, A SEVERA, ALA ARRIBA, e principalmente CAMÕES, onde uma das minhas tias maternas, agora com 91 anos, foi buscada a casa pessoalmente pelo Leitão de Barros, para participar num pequeno papel no filme,mas a sua gigantesca timidez e preconceitos, fizeram que lhe passasse ao lado uma carreira de actriz, são as suas crónicas que me ficaram a dançar na memória através dos anos, e provocaram recordá-lo quando decidi falar dos corvos de Amesterdão, pois os de Lisboa, só se encontram nos nossos dias na bandeira da edilidade!
Daí não resisto, e deixo aqui uma das suas crónicas, que infelizmente, diria mesmo, lamentavelmente, continua actual, apesar de decorridos quase 50 anos sobre a sua publicação:
VISTORIA
Um dos aspectos simbólicos das mais altas tradições peninsulares é o cuspir no chão. "Se proibe escupir en en suelo", "É proibido cuspir no chão" - são dísticos que não dei fé de ver afixados em quaisquer outros idiomas senão nos de Camões e de Cervantes. E diz-nos uma correspondente: "Na Suiça não há escarradores". A simples necessidade de fazer, por habitante, uma "capitação" da saliva é, por si, um sintoma de que permanecemos fiéis a uma histórica herança de nossos maiores. Há tempo fez-se, ingenuamente, a campanha de "engolir em seco". Chegou-se a pôr um polícia na estação do Rossio, de guarda ao cuspo. Passado, porém, certo tempo, o caso esqueceu, comos os enredos dos filmes de cinema, E o polícia foi o primeiro a cuspir, num hábito puramente profissional.
Desafio aqui alguém a dizer-me que já não vê ninguêm cuspir no chão, e com requintes de malvadez, escarros bem puxados dos seus âmagos!!!
Teresa David - aguarela minha baseada nos corvos vistos em Amesterdão